Cartas de Foro e Forais
Foi prática comum entre os monarcas portugueses da primeira dinastia a atribuição de um regulamento que servia de base à organização da vida nos aglomerados populacionais. Faziam-no naturalmente para que a ordem e a régia soberania fossem reconhecidas. Deste modo se impunha a autoridade e se criavam ritmos de existência entre as populações.
Este documento ficou inicialmente reconhecido por "Carta de Foro" e, mais tarde por "Foral". A respectiva atribuição foi uma constante entre os primeiros monarcas portugueses, que não só os davam às terras que os não possuíam, como eram pródigos em confirmar os já existentes.
Podemos confirmar dois momentos privilegeados na história desta regulamentação da vida local. O primeiro é a atribuição da Carta de Foro, que era habitualmente feita na sequência da conquista e início do povoamento. O segundo é a reforma desse documento inicial, que se produziu quando a vida quando a vida "municipal" estava já suficientemente organizada. Esta a acção, a que chamamos "Reforma dos Forais", foi pensada por D.João II e executada por D.Manuel.
Os documentos daí resultantes ficaram conhecidos por "Forais Novos" e não são mais do que a adaptação dos velhos documentos regulamentadores da vida local à realidade diferente que caracterizava já o reino de Portugal no final do século XV e início do século XVI. Este o motivo porque quase todas as terras têm dois forais.
Carta de Foro de D.Sancho I
Sesimbra recebeu a sua primeira "Carta de Foro" em 15 de Agosto de 1201, atribuída em Coimbra por D.Sancho I.
Este diploma viria a ser confirmado em Santarém, em janeiro de 1218, por seu filho, Afonso II. No ano de 1323 D.Dinis criaria o Concelho de Sesimbra, confirmando igualmente o foral. Idêntica atitude teve D.Afonso IV, em 1325 e, posteriormente, D.Fernando, que confirmou em julho de 1367.
A carta de foro de 1201 pertencia ao grupo de Évora, quer dizer era o mesmo documento que regia aquela cidade, tendo recebido ligeiras adaptações à nova povoação a que se dirigia. Este modelo foi o mais frequente nas terras reconquistadas ao sul do Tejo. E visava responder prioritariamente às exigências de uma zona, cujo povoamento e organização se impunham. Procurava garantir a segurança da zona e das pessoas através da estruturação da respectiva vida local . Podemos dizer que nele se estabeleciam fundamentalmente dois preceitos : os direitos reais ou senhoriais e a segurança dos habitantes. Eram também estipuladas as respectivas sanções para eventuais falhas no cumprimento do que estava determinado. Além e como que a incentivar a actividade económica, determinavam-se os pagamentos das portagens relativas a mercadorias.
Foral de D. Manuel
Em 1514, Sesimbra apresentava-se já como uma vila em franco desenvolvimento, identificada com algumas actividades económicas características. É o caso da pesca. No primeiro foral havia uma alusão ao pescado, mas não se registavam disposições relativas aos pescadores. Isso era natural, porque a população não estava ainda organizada por actividades económicas. No século XVI tudo era diferente e a preocupação de D.Manuel foi que os novos documentos correspondessem às exigências da realidade, isto é , da vida que cada povoação tinha, entretanto, estruturado.
Há, no entanto, uma curiosidade que não podemos deixar de fazer notar. D.Manuel não suprimiu a antiga lei. O seu objectivo foi, antes, completá-la. Daí que escrevesse: " posto que polo dito foral nam fossem instituidas nem postos mais direitos que a portagem somente, porem na dita villa e lugar se pagaram sempre outros direitos seguintes que nam contradizem o dito foral por respecto do mar que tem ... " . Trata-se, pois, de complementar e jamais de contradizer. E o complemento apresenta-se como resposta aos novos recursos, sendo a primeira o mar, de cuja actividade a vila em grande parte vivia. Por isso com ele se prendem a maior parte das inovações agora instituídas.
O novo documento consagrava igualmente outros indicadores de vida organizada, como é o caso do mercado, dos tabeliães, das orientações para entrega de campos maninhos e direitos de montado ou até mesmo das novas determinações sobre as portagens. Mas sem dúvida que o grosso das disposições se referia à actividade marítima e respectivos impostos. Basta dizer que cerca de dois terços do texto do foral se lhe referiam. E era tudo inovação relativa ao foral de 1201.
Trecho do artigo publicado no Sesimbra Cultural nº5 - Maio/96,
De Manuela Mendonça - Prof. Catedrática da F.Letras de Lisboa
e subdirectora dos Arquivos Nacionais de Torre do Tombo.