A jazida de Icnofósseis da Pedreira do Avelino situa-se na região do Zambujal de Cima nas coordenadas (38° 27' 15'' N, 9° 7' 23'' W) em formações sedimentares do Jurássico Superior (Kimmeridgiano) de há ± 150 Milhões de Anos, (Lockley et al., 1993).
Foi descoberta em 1976 por M.Telles Antunes, segundo a publicação Dinosaurs of Portugal, (M.T. Antunes, O. Mateus, C. R. Palevol ,2003, 77–95.) pág.90, “…at Pedreira do Avelino, near Santana (Sesimbra) shortly after the discovery of the site by M.Telles Antunes, in 1976…”. Segundo um artigo publicado por Galopim de Carvalho em 2012 no blog De Rerum Natura lê-se “esta jazida, descoberta em 1989 pelo professor Miguel Magalhães Ramalho, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG)”. Sem falar no SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico) onde se lê no registo respectivo “…1990 - descoberta da jazida…”. Neste contexto não me atrevo a decidir quem de facto, descobriu a jazida, mas ainda bem que alguém a detectou.
A jazida apresenta 4 a 5 níveis estratigráficos e a parte mais exposta surge em 2 afloramentos distanciados cerca de 28 Metros, referentes ao nível 3, com pelo menos 5 pistas de saurópodes do tipo bitola estreita “narrow-guage” do icnogénero Parabrontopodus (Lockley et al., 1994) de animais de corpulências muito diferentes, onde o maior teria um comprimento do pé de 100 cm, enquanto no menor o valor é de 30 cm.
Foi classificada como Monumento Natural, pelo Decreto Reg. N.º 20/97, de 7 de Maio, através dum processo moroso, que demorou mais de duas dezenas de anos até à inauguração, em 15/12/2012, do espaço Interpretativo da Jazida de Icnofósseis da Pedreira do Avelino, relato alguns dos passos:
"…Da destruição salvámos, numa pedreira do Zambujal (aliás, com a melhor colaboração de quem aí trabalhava, o que registamos com apreço) blocos de pedra que, de outro modo, teriam sido transformados pela perícia dos canteiros em revestimentos de casas" (Sesimbra Cultural -1990, M.Telles Antunes).
“… esta ocorrência merece e deve ser imediatamente musealizada… colocá-la sob protecção camarária, como imóvel de interesse local ou estatal… (Sesimbra Cultural – 1991. M.G.Carvalho. V.F.Santos).
“Esta condição e a sua grande vulnerabilidade, levou-me, em 1993 e em nome do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa, a solicitar à autarquia que requeresse, ao então Instituto de Conservação da Natureza, a classificação destas ocorrências como Monumentos Naturais, ao abrigo do então recém-criado Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro.” (Blog De Rerum Natura – 2012, M.G.Carvalho).
Nem sempre se consegue salvar e preservar património, mas desta vez as coisas correram bem. Os parabéns às entidades envolvidas.
Vista antes da musealização |
Vista actual da Pedreira do Avelino Publicado por Orlando Pinto. 07/09/2018 - YouTube |
Descrição da Jazida.
A jazida da Pedreira do Avelino situa-se na área das pedreiras do Zambujal, na cota dos 188 metros, na chamada formação da Azóia, cerca de 15 metros abaixo da série do arenito vermelho do Espichel (Ramalho,1971, G. Manuppella,1993), em formações sedimentares do Jurássico Superior (Kimmeridgiano superior), de há ± 150 Milhões de Anos, (Lockley et al., 1993).
O paleoambiente da época, na altura da formação dos estratos, onde os saurópodes nos deixaram as suas marcas, seria do tipo zonas lagunares parálicas, relativamente confinadas e pouco profundas, com períodos alternados de emersão e imersão, patentes nas fendas de dissecação. Ambientes de águas rasas com um clima tropical. O que é evidente pelo género de rocha que constitui a laje da jazida, calcário micrítico com “birdseyes”, e fendas de dissecação, constituído essencialmente por calcite [CaC03] muito fina (4 a 31 micro), que se forma a partir da litificação de lama clástica finíssima, carbonatada constituída por elementos biogénicos, aragoníticos convertidos para calcite. O conteúdo fossilífero da jazida é pobre, incluindo ostracodos, foraminíferos e carófitas, permitindo inferir uma deposição em água doce, num ambiente lacustre (Ramalho 1988; Antunes 1990). Penso que seja semelhante ás fácies das formações suprajacentes ao corte de Pedrógão, na Bacia Lusitânica, de aguas doces e salobras a margino-marinhas (muito ricas em carófitas e ostracodos), com intercalações de depósitos de laguna confinada (dasicladáceas abundantes e forarniníferos aglutinados), conforme é descrito no Estudo preliminar das Carófitas da base do Jurássico superior da Bacia Lusitânica, (M.Ramalho et al., 1998).
Ostracodes |
Foraminíferos |
Carófitas |
Na jazida da Pedreira do Avelino, encontram-se 4 a 5 níveis estratigráficos, com pegadas (M.Lockley, V.Santos.,1993), destacando-se o nível 3 representado por dois afloramentos distanciados cerca de 28 metros, constituídos por lajes com uma inclinação de 30º e uma superfície de cerca de 200 m2. A inclinação dos estratos deve-se à fase compressiva da Bacia Lusitaniana que vem decorrendo desde o final do Cretácico até à actualidade, por colisão da microplaca ibérica com as placas africana e euroasiática. Provocando a inversão da bacia e a exposição das rochas carbonatadas do Jurássico.
Vamos então analisar cada um dos 5 níveis estratigráficos e seus respectivos trilhos de icnofósseis (do grego "iknos" que significa "traço" ou "vestígio"), de acordo com os dados disponíveis, a partir do que é possível aferir localmente e existe documentado, fazer alguns cálculos para determinarmos as possíveis características anatómicas e modo de deslocação dos animais em causa.
Ilustração de Mário Estevens.
Nível 1
Apresenta uma única pista de saurópode onde são bem visíveis as marcas do pé, numa impressão oval com cerca de 60 cm de comprimento por 40 cm de largura. Com uma orientação 210º sudoeste. Vamos calcular o valor a para o comprimento do membro posterior até ao acetábulo (articulação da anca). Recorrendo a três fórmulas possíveis para saurópodes, a=4 x Comprimento do pé Alexander (1976), a=5,9 x Comprimento do pé Thulborn (1990), a=4 x Largura do pé Lockley (1986).
Nível 2
Apresenta uma única pista com uma orientação 225º sudoeste, onde são bem visíveis as marcas da mão, com cerca de 33 cm de comprimento por 48 cm de largura, impressões em forma de crescente (meia-lua), característico de um saurópode.
Nível 3
Mapa do nível 3 da Pedreira do Avelino, com secção estratigráfica e orientações das pistas (M.Lockley, V,Santos, 1994).
Encontra-se representado pela maior área exposta, uma superfície de cerca de 200 m2, com uma inclinação de 30º, formada por dois afloramentos separados por cerca de 28 metros, com um total de 108 pegadas. Aqui poderemos encontrar 5 pistas bem definidas de saurópodes, todas com direcções diferentes, com o mesmo tipo e grau de sedimentação, mas onde os animais autores das pistas, se deslocavam a velocidades diferentes. O que afasta qualquer hipótese de comportamento gregário. E todas elas com a característica de ausência de espaço entre as margens internas das pegadas, o que indica, tratarem-se de pistas de bitola estreita “ narrow-guage”. Os especialistas em trilhos de saurópodes reconheceram há muito dois tipos de trilhos, que Farlow (1992) apelidou de "narrow-guage” (bitola estreita) e " wide-guage” (bitola larga), com base na posição das marcas de mãos e pés, em relação à linha média do trilho. Wilson e Carrano (1999) concluíram que a disparidade do calibre era uma característica taxonómica dos saurópodes e demonstrava características anatómicas e biomecânicas dos mesmos.
O que significa que a espécie de saurópodes que caminharam na Pedreira do Avelino, são diferentes dos trilhos que encontramos nas jazidas do jurássico superior da Pedreira do Ribeiro de Cavalo e da Pedra da Mua, onde as pistas eram do tipo bitola larga “wide-guage”.
O que sugere que estamos perante a presença de duas espécies diferentes, no caso da Pedreira do Avelino do icnogénero Parabrontopodus (Lockley et al., 1994) e nos restantes icnogénero Brontopodus isp (Santos e Neto de Carvalho, 2016, Lockley, Meyer, Santos, 1994).
Pista 1 -
Pista de saurópode onde são bem visíveis a marca das mãos, impressão em forma de crescente (meia-lua), e dos pés em forma oval.
Teria uma altura do pé à anca de 1,8 metros, deslocava-se em modo marcha, a uma velocidade de 2,48 K/h. Com uma orientação 260º.
Pista 2 -
Representa talvez a pista de saurópode, mais pequeno da Europa até agora conhecida, onde são visíveis a marca das mãos, e dos pés. Apresenta um comprimento de pé de 30 cm, devendo ter sido feita por um animal juvenil, com cerca de um a dois anos de idade (Lockley 1992), e membros posteriores de comprimento até à anca, de 1,2 metros.
Deslocava-se em modo marcha, a uma velocidade de 3,09 K/h. Com uma orientação 115º.
Pista 3 -
Pista de saurópode composta de marcas de mãos e pés, de um animal que se deslocava apressadamente, deforma transversal relativamente às outras pistas.
Teria uma altura do pé à anca de 2,2 metros, deslocava-se em modo marcha, a uma velocidade de 3,87 K/h. Com uma orientação 45º.
Pista 4 -
Pista incompleta de saurópode de grandes dimensões constituída principalmente por marcas de mãos, sendo a segunda a ser descoberta em Portugal no Jurássico Superior. As marcas de pés, resumem-se a uma, embora pouco visível, nota-se bem com luz rasante, talvez sub-impressão, atinge os 100 cm..
Trata-se de mais uma prova de que as pistas ditas “manus dominated”, não são atribuíveis a animais que nadavam parcialmente submersos como tentou demonstrar Bird, (1944), mas sim resultantes da diferente distribuição do peso do animal em função da área de apoio, deste modo a área do pé é muito maior do que a da mão, o que faz que a pressão exercida pela mão seja maior e logo mais fácil o enterramento na superfície lodosa enquanto a pressão exercida pelo pé é menor e logicamente menor o enterramento. O que pode provocar o desaparecimento da marca, durante o processo de litificação do estrato.
Teria uma altura do pé à anca de 4 metros, deslocava-se em modo marcha lenta, a uma velocidade de 2,16 K/h. Com uma orientação 315º
Pista 5 -
Pista de saurópode onde são visíveis mãos e pés. Que se deslocava quase transversalmente às outras pistas. Com a orientação de 65º.
Teria uma altura do pé à anca de 1,80 metros, deslocava-se em modo marcha, a uma velocidade de 2,94 K/h. Com uma orientação 65º.
Os cálculos que permitiram as conclusões relatadas estão apresentados abaixo e foram feitos recorrendo às fórmulas disponíveis: - Valor a para o comprimento do membro posterior até ao acetábulo (articulação da anca). Três fórmulas possíveis para saurópodes, a=4 x Comprimento do pé Alexander (1976), a=5,9 x Comprimento do pé Thulborn (1990), a=4 x Largura do pé Lockley (1986). - Quanto ao tipo de deslocação usamos a razão entre λ / a, sugerida por Thulborn, (1982); e Wade, (1984). Deste modo, consoante o valor da referida razão, é possível qualificar como o animal se deslocava: marcha se λ/a <2,0 trote se 2 < λ/a< 2,9 galope se λ/a> 2,9. - Cálculo da velocidade com que se deslocavam os animais. Fórmula proposta por Alexander (1976), a velocidade V = 0,25 x g0.5 x λ1.67 x a-1.17. |
Nível 4
Apresenta algumas marcas muito pouco nítidas, até agora não diagnosticadas.
Nivel 5
Apresenta uma única pista de saurópode onde as marcas das pegadas são dos autópodes anteriores com cerca de 17 cm de comprimento por 24 cm de largura. Com uma orientação 210º.
Pegadas de Pterossauros
Os pterossauros apareceram na Terra há 225 milhões de anos, foram contemporâneos dos dinossauros, e extinguiram-se tal como eles, há 65 milhões de anos. Eram répteis voadores da era Mesozóica.
Perto da jazida principal da pedreira do Avelino, no mesmo sítio Zambujal de Baixo, mais precisamente nas coordenadas 38º 27.371N, 9º 07.297W, encontra-se uma laje do tipo das anteriores, também datada do Jurássico Superior (Kimmeridgiano) ± 150 Milhões de Anos (Lockley and Santos, 1993; Antunes, 1990; Manuppella et al., 1999, Antunes and Mateus, 2003). Onde é visível um pista de pegadas de Pterossauro, com a impressão de duas mãos (Octávio Mateus & Jesper Milan, 2010 ).
Foto da pista de pterossauro adaptado de (Octávio Mateus & Jesper Milan, 2010 ).
Estas pegadas do Zambujal (Sesimbra) e umas de mão e incompleta do pé, encontradas em Porto das Barcas (Lourinhã), foram até 2016 as primeiras e únicas descritas como pertencentes a Pterossauros do Jurássico superior de Portugal (Octávio Mateus & Jesper Milan, 2010). Só duas unidades taxonómicas aff. Rhamphorhyncus sp. e aff. Pterodactylus sp. haviam sido descritas a partir de alguns dentes e ossos encontrados na mina de carvão Guiamorata (Weichmann and Glory, 2000; Mateus, 2006).
Em 2016 a Lourinhã, na praia da Peralta, volta à ribalta da paleontologia, com a descoberta do maior trilho de Pterossauros de Portugal e um dos maiores a nível mundial, mais de 300 pegadas (Octávio Mateus, & Simon Kongshøj Callesen, 2016). As pegadas deste trilho segundo os mesmos paleontólogos permitiram mostrar:
“Claramente um movimento quadrúpede”.
“A existência de pterossauros de grande porte que se desconhecia existirem no Jurássico Superior”.
As duas marcas de mãos da laje do Zambujal, com um eixo medindo, 8,5 cm e 7,5 cm, perfeitamente visíveis, encontram-se alinhadas, como seria expectável numa pista e mostram claramente tratar-se de moldes naturais das mãos de um Pterossauro, atribuível ao icnogénero Pteraichnus, de acordo com as descrições feitas e documentadas por (Mazin et al., 2003) para estes répteis, olhando as pegadas podemos verificar:
Terceiro dígito longo e com orientação para a frente.
Segundo dígito curto e orientado para a frente.
Primeiro dígito alongado e orientado lateralmente.
Tal como os exemplares da jazida da área da barragem de Seminoe no Wyoming, nos E.U.A, também do Jurássico superior, onde alem de pistas de saurópodes, foram encontradas pistas de pterossauros, classificados como pertencentes ao icnogénero Pteraichnus, descritos por Vicki L.Meyers & Brent H. Breithaupt, 2006.
Fotos e desenhos interpretativos das pegadas do Zambujal. Adaptado de Octávio Mateus & Jesper Milan, 2010. |
Foto e desenho interpretativo de uma das pegadas do Wyoming. Adaptado de Vicki L.Meyers & Brent H. Breithaupt, 2006. |
Texto: Orlando Pinto, 2018
Origem das fotografias: Google Maps: Dinosaurs of Portugal; Paleotemas - C.M.Silva; Algas Bentonicas; jurassiccoast.org; O.Pinto; prehistoric-wildlife.com Ilustrações: Mário Estevens
Bibliografia: Dinosaurs of Portugal - Miguel Telles Antunes & Octávio Mateus (2003); Pedreira do Avelino - Vanda F.Santos (2005); Huellas que perduran. Icnitas de Dinosaurios - Simposio International- Valladolid, 2006; Dinosaurs of Portugal - Miguel Telles Antunes, Octávio Mateus (2003); Galopim de Carvalho (2012) no blog De Rerum Natura; A preliminary report on sauropod trackways from the Avelino site, Sesimbra region, Upper Jurassic, Portugal - Lockley, M.G. & Faria dos Santos, Vanda. (1993); Fossil Footprints of Western North America: Bulletin 62 - New Mexico Museum of Natural History and Science - Martin G. Lockley, Spencer G. Lucas, (2014); Estudo preliminar das Carófitas da base do Jurássico superior da Bacia Lusitânica - R.Pereira, ANA C., Azeredo, M.Feist e M.Ramalho, (1998); Microfósiles bentónicos de mayor interés en geología; Brontopodus and Parabrontopodus ichnogen nov. and the significance of wide and narrow-gauge sauropod trackways - M.G. Lockley, L.O. Farlow, and C.A. Meyer (1994); Pegadas de Dinossáurios no Concelho de Sesimbra - A.M. Galopim de Carvalho e V.F.Santos (1999); Dinosaur track sites from Portugal: Scientific and cultural significance - V.F. Santos, C.M. Silva, L.A. Rodrigues (2008); Microfaciès des Couches à Pistes de Dinosaures au Portugal - Considérations Paléoécologiques - M. Ramalho (1988); Speeds and stance of titanosaur sauropods: analysis of Titanopodus tracks from the Late Cretaceous of Mendoza, Argentina - B.J. González Riga (2009); Sauropod trackways of the Iberian Peninsula: palaeoetological and palaeoenvironmental implications - D. Castanera, B.Vila, N.L. Razzolini, V.F. Santos, C. Pascual, J.I. Canudo (2013); Museu Nacional de História Natural e da Ciência: One hundred years of dinosaur ichnology in Portugal - Bollettino della Società Paleontologica Italiana, 56 (2), 2017, 97-107. Modena - Vanda Faria dos Santos; Decreto n.º 20/97, de 7 de maio; SIPA - Jazida de icnofósseis da Pedreira do Avelino; First records of crocodyle and pterosaur tracks in the Upper Jurassic of Portugal - Mateus, O. & J. Milàn (2010); Pterossauro - Leonor Soares (2013); Prehistoric-wildlife (2011); Pteraichnus saltwashensis tracks and trackways in the upper jurassic windy hill sandstone of wyoming - Vicki L. Meyers & Brent H. Breithaupt; Faunas de Répteis do Jurássico Superior de Portugal - Francisco Ortega1, Elisabete Malafaia, Fernando Escaso, Adán Pérez García & Pedro Dantas (2009); Descoberto na Lourinhã um dos maiores trilhos mundiais de pterossauros - Observador (2016); Pterossauros tambem deixaram um rasto na Lourinha - Público (2016).