Não se trata de um nova pista de Dinossáurios, desta vez, é apenas um molde de uma pegada tridáctila encontrada solta numa falésia da Praia do Guincho a norte do Cabo Espichel, em 2011, durante os trabalhos de prospecção efectuados pelo Centro Português de Geo-História e Pré-História (CPGP). É a primeira descoberta de uma pegada de dinossauro do Barremiano inferior ± 127 milhões de anos, na bacia lusitânica.

A Praia do Guincho, situa-se ao fundo das falésias costeiras do anticlinal do Cabo, a cerca de 2 Km a Norte do Cabo Espichel, mais precisamente, nas coordenadas 38º 27' 00.27”N 9º 12' 05,60”W.

A arriba com cerca de 60 metros de altura, onde se detectou o pequeno bloco solto, que continha a pegada, é formada por calcários, margas, arenitos e conglomerados, provenientes de sedimentos depositados em águas rasas marinhas, lagos e ambientes estuarinos (S. Figueiredo e tal, 2017). E pertencentes maioritariamente à formação Papo-Seco, que se encontra colocada entre as formações, Areias do Mastro e Boca do Chapim, atribuída ao Barremeniano inferior (Rey, 1972, 1992; Manupella et al., 1999), caracterizando-se por conter restos de vários grupos de vertebrados, incluindo dinossauros.

O molde de pegada tridáctila com as dimensões aparentes de 29,7 cm, está embutido num bloco com o comprimento de 35 cm. Foi inventariado com o código CPGP. 3.11.1 e encontra-se na exposição permanente do Núcleo Museológico do CPGP (Largo de São Caetano, 2150 - 265 São Caetano – Golegã).

Como se trata de um pequeno bloco solto, não é possível tentar seguir o trilho, pois deve-se ter desprendido de um estrato acima daquele onde foi encontrado, será necessário identificar qual o estrato de onde caiu o bloco. Foram feitas várias análises físicas e químicas, altamente complexas, conforme descrito na publicação de S. Figueiredo et al, 2017, quer ao conteúdo do sedimento que preencheu a pegada que é de calcário rico em quartzo, arenitos e margas, com pequenos fragmentos de lignite, quer aos estratos da arriba. Que apontam para três localizações possíveis: Ps1; Ps2 e Ps3, cuja composição química e tamanho de grão se assemelham ao sedimento do molde.

Até ao momento, não foi possível identificar o estrato e tentar descobrir o trilho ou porque já se deu o desmoronamento de parte desse estrato ou porque o trilho se encontra para o interior do mesmo.  



Adaptado de S. Figueiredo et al, 2017

A pegada CPGP. 3.11.1, apresenta as dimensões de 29,7 cm de comprimento, por 28,4 cm de largura. Tem uma morfologia digitígrada e arredondada,
O espécime tem um dígito III mais longo que II e IV, sendo tridáctila com dígitos curtos de pontas rombas, tipicamente de um pé direito. Vários parâmetros morfométricos da pegada, usando os métodos de Moratalla et al. (1988) Mateus & Milàn (2008) e Romilio & Salisbury (2011, 2014) para a diferenciação entre pegadas de terópodes e ornitópodes, foram usados e o estudo sob diferentes ângulos de luz e modelagem 3D fotogramétrica, revelou que o dígito III é mais curto e mais arredondado do que parecia ser. A conclusão evidente é de que a pegada converge para um ornitópode, de acordo com cinco dos nove parâmetros definidos para este tipo de dinossáurios.


 
Bloco com a pegada CPGP.3.11.1.

Modelo digital 3D visto de diferentes ângulos.   a) Nuvem de pontos; b) Malha poligonal irregular;  c-e) Sombras da superfície;  f-g) Visualização raios X; h-i) Superfícies de curvatura (áreas achatadas em tons verdes, áreas convexas em tons vermelhos e áreas côncavas em tons azuis);  j) Contorno externo;  k-l)
Escalas de brilho.

 
Dimensões e ângulos entre dígitos. a) CPGP.3.11.1. b) Pegada T5 dos Lagosteiros (Terópode). 

Ao comparar-mos a pegada CPGP.3.11.1. com a pegada de Terópode T5 dos Lagosteiros, repare-se nos diferentes valores de ângulo formado entre os dígitos II e IV é de 60,1º (T5 - 51,6º), enquanto o ângulo entre os dígitos II e III é de 25,5º (T5 – 24,0º) e entre dígitos III e IV é de 34,6º (T5 – 27,7º).

Para ficarmos com uma ideia das dimensões do animal que produziu a pegada, vamos recorrer às diversas fórmulas disponíveis para determinar a altura acetabular h (do pé à anca, membro posterior):

Alexander (1976) – h multiplicando o comprimento do pé por 4, obtém-se h = 1,18 m.

Sanz et al. (1985) com base na análise estatística dos restos esqueléticos de ornitópodes, usando a fórmula h = 3.91CP + 10,94 (h = altura do quadril; CP = comprimento do pé), obtém-se o valor de h = 1,27 m.

Thulborn & Wade (1984) e Thulborn (1990) recorrendo a equações morfométricas e alométricas para diferentes tipos de dinossauros:

Pequenos terópodes (CP < 25 cm): h = 4,5CP; terópodes grandes (CP> 25 cm): h = 4,9CP; 

Pequenos ornitópodes (CP <25 cm): h = 4,8CP; grandes ornitópodes (CP> 25 cm): h = 5,9CP; 

Pequenos dinossauros em geral (CP <25 cm): h = 4,6CP; grandes dinossauros em geral (CP> 25 cm): h = 5,7CP.

Aplicando estes valores á pegada CPGP.3.11.1, determina-se a altura total do membro posterior (até ao acetábulo) h = 1,75 m de acordo com a fórmula para grandes ornitópodes e h = 1,69 m de acordo com a fórmula dada para grandes dinossauros em geral.

Concluímos então dos valores resultantes, que o nosso Ornitópode teria uma altura acetebular entre um mínimo de 1,18 m e um máximo de 1,75 m.


Texto: Orlando Pinto, 2018


Origem das fotografias:  Google Maps; A new record of a possible ornithopod footprint from the Lower Cretaceous of Cabo Espichel (Sesimbra, Portugal);   Ilustrações adaptadas: Orlando Pinto 

Bibliografia: A new record of a possible ornithopod footprint from the Lower Cretaceous of Cabo Espichel (Sesimbra, Portugal) - S. Figueiredo, P. Dinis, J. Belo, P. Rosina & I. B. Strantzali - Bollettino della Società Paleontologica Italiana, 56 (2), 2017, 217-231. Modena, (2017); A new record of an ornithopodfootprint in Lower Cretaceous of Cabo Espichel - S. Figueiredo, J. Belo, P. Rosina, (2016); Dinossáurios Eocretácicos de Lagosteiros - Universidade Nova de Lisboa, Miguel.Telles Antunes, 1976; Dinosaurs of Portugal - M.T. Antunes & O. Mateus (2003); Discriminating between Medium-Sized Tridactyl Trackmakers: Tracking Ornithopod Tracks in the Base of the Cretaceous (Berriasian, Spain) - D. Castanera et al, (2013)