A Lapa 4 de Maio, situa-se na Serra da Azóia, GPS (m=108871, p=162616), na proximidade da Lapa da Janela 1 e da Lapa dos Corvos desenvolve-se em terrenos Calcários do Jurássico.
Foi descoberta a 4 de Maio de 1999, pelo NECA - Grupo de Espeleologia da Costa Azul, numa actividade de prospecção efectuada no chamado Vale das Lapas.
Do ponto de vista espeleológico, trata-se de uma cavidade cársica composta por duas salas sobrepostas, a inferior apresenta um desnível de - 2 metros, com uma área de 30 m2, enquanto a sala superior, sem desnível tem uma área de 45 m2. Não apresenta espeleoformas de destaque.
Do ponto de vista arqueológico foi considerada uma gruta com possível ocupação como necrópole, numa primeira fase, foram detectados e recolhidos, na sala inferior, num trabalho de prospecção no âmbito do PNTA/99 – Investigação Arqueológica do Concelho de Sesimbra sendo co-responsáveis: Leonor Rocha e Rosário Fernandes, artefactos de pedra polida: uma enchó votiva em anfibolito, um fragmento de lâmina, além de algumas contas de colar discóides em xisto, uma conta de colar em pedra verde. E materiais de cerâmica manual incluindo um bordo com decoração campaniforme. Ficando o NECA como depositário de referido espólio (Fernandes e Rocha, 2001).
O bordo Campaniforme e a conta de colar verde, foram analisados por Carlos Odriozola, com equipamentos de Raio X e análises ponderais dos elementos constituintes que conclui que o tipo de cerâmica é de manufactura local e que a conta não é de Variscite mas sim de Talco, semelhante a uma importante percentagem de contas de colar provenientes de monumentos megalíticos de Huelva.
Em Agosto de 2009, na fase final do Projecto da Nova Carta Arqueológica de Sesimbra, os espeleólogos do CEAE-LPN, Rui Francisco e Miguel Amigo, que faziam na altura o levantamento topográfico da gruta, tendo necessidade de deslocar algumas pedras para que as medidas fossem correctas, detectaram numa pequena fenda, em zona de difícil acesso uma placa de madeira com inscrições árabes sobre as duas faces. Até á data o texto mais antigo identificado em Sesimbra e raro em Portugal. Existem no Museu de Beja, 4 tábuas árabes caligrafadas, atribuídas ao século XVIII (Borges, 1989) que foram recolhidas em 1942 do antigo Paço Episcopal, pensa-se que tenham sido trazidas de sinagogas de Lisboa e arredores por D. Frei Manuel do Cenáculo (Viana, Abel 1946)(5). Porém são apenas suspeitas e a questão relativa á sua proveniência original mantêm-se em aberto.
" ... Perez Bayer, no relato da visita que fez, em Novembro de 1782, a Cenaculo, tem o seguinte passo: «Dixo-me que me guardaba una (inscripcióm) Hebrea, que estubo otro tiempo en la Sinagoga de Lisboa, com otras traidas, del territorio de la misma Corte, y de sus cercanias. Aun las tenia encaxonadas. Desclavaronse los caxones. La (inscripción) Hebrea es larga tiene verso, y prosa, y esta bastantemente maltratada..»
Diz, depois, que a intensidade do frio o impediu de continuar o exame inscrições. O eminente arcediago e humanista valenciana não fala de inscrições árabes, mas não admira que D. Frei Manuel do Cenáculo Vilas-Boas as tivesse, tal como de Lisboa trouxera vários monumentos de epigrafia romana e as que pôde obter de sinagogas de Lisboa e arredores. "(Viana, Abel 1946) (5)
Descrição da descoberta fantástica:
"...uma placa de madeira compacta, de forma rectangular, com 58 cm de comprimento, por 15,5 cm de largura e 1 cm de espessura. O topo superior e inferior encontram-se ligeiramente arredondados.
A placa encontra-se incompleta na sua metade superior, provavelmente consequência directa do ambiente em que foi depositado. Sugere que terá sido ligeiramente danificada por acção do fogo.
O campo epigráfico inicia-se no topo da placa, nos dois lados da mesma e desenvolve-se quase até à sua metade inferior, deixando um espaço livre adequado para ser segurado por ambas as mãos.
Segundo as leituras preliminar dos dois arabistas consultados, estamos perante um texto de natureza religiosa, com alusões a Allah/Deus.
Para Nicole Cottart, a “Placa”, apresenta uma sura (texto religioso) de natureza mística, provavelmente ligado à presença de morabitinos, cuja visibilidade e existência encontra-se documentada para o século XII na região. Num certo sentido, a palavra Azóia que também significa Ribat, correspondiam a locais onde um professor de sensibilidade religiosa, tinha a sua congregação e ensinava a ler ou a escrever.
A presença desta placa numa gruta de Sesimbra, escondida em meados do século XII num ambiente de guerra, obriga-nos a seremos prudentes na apresentação de hipóteses de trabalho.
O documento sesimbrense é único em Portugal porque sabemos exactamente onde foi encontrado e qual o contexto envolvente. Em território do Garb, só temos conhecimento com base num artigo do Arquivo de Beja, de um conjunto de placas em madeira, similares, em depósito no Museu de Beja, mas de proveniência desconhecida.
...O achado de Sesimbra, para além de ser notável em variados aspectos, apresenta-se escrito num tipo de suporte completamente novo e muito raro no Garb al-Andalus.
Quanto ao texto, estamos perante um estilo cúfico, coerente com o que era usado no século XII, em contexto Almorávida. Segundo os arabistas consultados, estamos provavelmente perante um texto de tipo “Magrebino” ou local, pouco cuidado, mais de um ambiente “popular” do que “erudito”, escrito numa forma rápida.
Se o estilo empregue no texto é coerente com o usado no século XII, o facto de esta placa ter sido escondida numa gruta pequena, de acesso difícil mesmo nos dias de hoje, sugere que o objectivo que esteve por detrás do ocultamento, seria esta não ser encontrada. O perigo na perspectiva islâmica, eram os eminentes avanços e recuos portugueses na serra da Arrábida, após a conquista de Lisboa em 1147.
Como hipótese de trabalho, sugerimos que a data de ocultamento desta placa tenha ocorrido em 1165 ou pouco depois, ano que representa a primeira conquista do Castelo de Sesimbra pelos Portugueses.
A palavra de Deus é sagrada para o crente muçulmano, independentemente do suporte usado.
É dever do crente impedir que os não crentes tenham acesso a ele. O facto de o objecto portador de baraka/bênção estar oculto, é benéfico para a região envolvente, porque mesmo que o território cai nas mãos dos cristãos, a palavra de Allah permite uma ligação “simbólica” ao Dar al-Islam na perspectiva do crente islâmico. Provavelmente, quem escondeu a placa, queria simbolizar a fuga do Profeta Maomé para Medina que antecede o seu regresso triunfal a Meca.
Seja como for, a placa permaneceu estes últimos séculos escondida, numa região que conseguiu manter o seu nome de origem árabe, revelador do carácter sagrado que representava nesses tempos conturbados de Sesimbra " (Calado et al., 2009, p. 186-187).(3)
A tradução da SURA 39.ª (pelo Cheique David Munir da Mesquita de Lisboa):
" Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
1. Em verdade, temos-te predestinado um evidente triunfo,
2. Para que Deus perdoe as tuas faltas, passadas e futuras, agraciando-te e guiando-te pela senda recta.
3. E para que Deus te secunde poderosamente.
4. Ele foi Quem infundiu o sossego nos corações dos fiéis para acrescentar fé à sua fé. A Deus pertencem os exércitos dos céus e da terra, porque Deus é Prudente, Sapientíssimo.
5. Para introduzir os fiéis e as fiéis em jardins, abaixo dos quais correm os rios, onde morarão eternamente, bem como absolver-lhes as faltas, porque é uma magnífica conquista (para o homem) ante Deus.
6. É castigar os hipócritas e as hipócritas, os idólatras e as idólatras que pensam mal a respeito de Deus. Que os açoite a vicissitude! Deus os abominará, amaldiçoá-los-á e lhes destinará o inferno. Que péssimo destino!
7. A Deus pertencem os exércitos dos céus e da terra, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo.
8. Em verdade, enviamos-te por testemunha, alvissareiro e admoestador,
9. Para que creiais (ó humanos) em Deus e no Seu Mensageiro, socorrendo-O, honrando-O e glorificando-O, pela manhã e à tarde.
10. Em verdade, aqueles que te juram fidelidade, juram fidelidade a Deus. A Mão de Deus está sobre as suas mão; porém, quem perjurar, perjurará em prejuízo próprio. Quanto àquele que cumprir o pacto com Deus, Ele lhe concederá uma magnífica recompensa.
11. Os que ficaram para trás, dentre os beduínos, dir-te-ão: Estávamos empenhados em (proteger) os nossos bens e as nossas famílias; implora a Deus que nos perdoe! Dizem, com seus lábios, o que os seus corações não sentem. Dize-lhes: Quem poderia defender-vos de Deus, se Ele quisesse prejudicar-vos ou beneficiar-vos? Porém, Deus está inteirado de tudo quanto fazeis.
12. Qual! Imagináveis que o Mensageiro e os fiéis jamais voltariam às suas famílias; tal pensamento desenvolvia-se nos vossos corações! E pensáveis maldosamente, porque sois um povo desventurado.
13. E há aqueles que não crêem em Deus e em Seu Mensageiro! Certamente temos destinado, para os incrédulos, o tártaro.
14. A Deus pertence o reino dos céus e da terra. Ele perdoa quem quer e castiga quem Lhe apraz; sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.
15. Quando marchardes para vos apoderardes dos despojos, os que ficarem para trás vos dirão: Permiti que vos sigamos! Pretendem trocar as palavras de Deus. Dize-lhes: Jamais nos seguireis, porque Deus já havia declarado (isso) antes. Então vos dirão: Não! É porque nos invejais. Qual! É que não compreendem, senão poucos.
16. Dize aos que ficaram para trás, dentre os beduínos: Sereis convocados para enfrentar-vos com um povo dado à guerra; então, ou vós os combatereis ou eles se submeterão. E se obedecerdes, Deus vos concederá uma magnífica recompensa; por outra, se vos recusardes, como fizestes anteriormente, Ele vos castigará dolorosamente.
17. Não terão culpa o cego, o coxo, o enfermo. Quanto àquele que obedecer a Deus e ao Seu Mensageiro, Ele o introduzirá em jardins, abaixo dos quais correm os rios; por outra, quem desdenhar, será castigado dolorosamente.
18. Deus Se congratulou com os fiéis, que te juraram fidelidade, debaixo da árvore. Bem sabia quanto encerravam os seus corações e, por isso infundiu-lhes o sossego e os recompensou com um triunfo imediato,
19. Bem como com muitos ganhos que obtiveram, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo.
20. Deus vos prometeu muitos ganhos, que obtereis, ainda mais, adiantou-vos estes e conteve as mãos dos homens, para que sejam um sinal para os fiéis e para guiar-vos para uma senda recta. E outros ganhos que não pudestes conseguir, Deus os conseguiu, e Deus é Onipotente.
21. E ainda que os incrédulos vos combatessem, certamente debandariam, pois não achariam protector nem defensor.
22. Tal foi a lei de Deus no passado; jamais acharás mudanças na lei de Deus.
23. Ele foi Quem conteve as mãos deles, do mesmo modo como conteve as vossas mãos no centro de Makka, depois de vos ter feito prevalecer sobre eles; sabei que Deus bem vê tudo quanto fazeis.
24. Foram eles, os incrédulos, os que vos impediram de entrar na Mesquita Sagrada e impediram que a oferenda chegasse ao seu destino. E se não houvesse sido por uns homens e mulheres fiéis, que não podíeis, distinguir, e que poderíeis ter morto sem o saber, incorrendo, assim, inconscientemente, num crime hediondo, Ter-vos-íamos facultado combatê-lo; foi assim estabelecido, para que Deus pudesse agraciar com a Sua misericórdia quem Lhe aprouvesse. Se vos tivesse sido possível separá-los, teríamos afrontado os incrédulos com um doloroso castigo.
25. Quando os incrédulos fomentaram o fanatismo - fanatismo da idolatria - em seus corações Deus infundiu o sossego em Seu Mensageiro e nos fiéis, e lhes impôs a norma da moderação, pois eram merecedores e dignos dela; sabei que Deus é Onisciente.
26. Em verdade, Deus confirmou a visão do Seu Mensageiro: Se Deus quisesse, entraríeis tranquilos, sem temor, na Sagrada Mesquita; uns com os cabelos raspados, outros com os cabelos cortados, sem medo. Ele sabe o que vós ignorais, e vos concedeu, não obstante isso, um triunfo imediato.
27. Ele foi Quem enviou o Seu Mensageiro com a orientação e com a verdadeira religião, para fazê-las prevalecer sobre todas as outras religiões; e Deus é suficiente Testemunha disso.
28. Mohammad é o Mensageiro de Deus, e aqueles que estão com ele são severos para com os incrédulos, porém compassivos entre si. Vê-los-ás genuflexos, prostrados, anelando a graça de Deus e a Sua complacência. Seus rostos estarão marcados com os traços da prostração. Tal é o seu exemplo na tora e no Evangelho,(1509) como a semente que brota, se desenvolve e se robustece, e se firma em seus talos, compraz aos semeadores, para irritar os incrédulos. Deus prometeu aos fiéis, que praticam o bem, indulgência e uma magnifica recompensa. "
Publicada por Ricardo Soares (2)
Curiosidades:
Ao folhear a Carta arqueológica de Sesimbra de E. da Cunha Serrão, pág. 50 deparei com uma informação assaz curiosa relativa a uma carta que o Dr. Hernâni de Barros lhe enviou, relatando que:
"... em Agosto de 1939 um trabalhador rural lhe mostrou um rolo de moedas arábicas achadas perto de Azóia e os restos da lâmina de um alfange. Entregaram estes achados na Câmara Municipal de Sesimbra, onde E. da Cunha Serrão, que aí os procurou, já não os viu." (Serrão, 1974)
Miguel Telles Antunes, num artigo publicado em 1999, com o título Restos de Tesouro de Moedas Islâmicas nas Imediações de Azóia, relata que adquiriram em 1983 a um comerciante da rua do Carmo em Lisboa, um dirham e um dinar, que segundo
"o Sr. Pimentel, colaborador de numismática do referido comerciante ambas faziam parte de um tesouro incluindo certo número de moedas de prata, com uma de ouro; proviriam de uma lapa a Norte do Cabo Espichel onde também foram achados objectos arqueológicos (um peitoral, etc.). Segundo o Sr. Pimentel, o achador teria sido um amigo de Eduardo da Cunha Serrão, devoto das antiguidades de Sesimbra e colaborador do respectivo Museu - Rafael Monteiro" (M.Telles Antunes, 1999).
Diz ainda M. Telles Antunes que chegaram a abordar R. Monteiro, sobre o assunto, infelizmente quando ele já se encontrava com graves problemas de saúde, lembrava-se do tesouro não tendo confirmado ter sido o achador, pessoalmente não acredito que o tenha sido, em caso afirmativo as moedas nunca apareceriam á venda em Lisboa e haveria de certo documentação escrita e publicada sobre o assunto, conforme fez com tantos achados, este era o perfil do Rafael que conheci, como entretanto faleceu, não houve segunda abordagem do tema. E que não chegaram a adquirir um segundo dirham devido ao preço exorbitante do mesmo.
As duas versões não são contraditórias e devem referir-se ao mesmo achado. As moedas foram entretanto sujeitas a análises ponderais dos elementos constituintes pelo Prof. Dr. J. Pais . Que permitiram tirar as seguintes conclusões:
"Nas imediações de Azóia, no Concelho de Sesimbra, há um sítio que, entre outros restos, continha um tesouro incluindo moedas, sobretudo de prata mas pelo menos uma de ouro.
Devido ao contacto de umas com outras parecem ter-se verificado, no decurso dos tempos — mais de um milénio — , fenómenos circunscritos de solução sólida de Au em Ag e vice-versa, mas a presença de Ag em moedas de ouro pode não ter outro significado que o propositado empobrecimento da liga; ao contrário, ninguém adicionaria Au a ligas de Ag, e não há, também, qualquer evidência de douradura.
Portanto, sai reforçada a possibilidade de se tratar, de facto, de um tesouro.
A julgar pelos espécimes descritos (e por mais um dirham do emirado, semelhante ao que estudámos, que vimos) o tesouro deve ter sido escondido em tempos do emirado de al-Andalus, possivelmente durante o reinado de cAbd-er-Rahman I (138-172 AH <> 755-789 AD).
O sítio parece datar do século VIII. Certamente algo ulterior a 167 AH = 783-784 AD, é muito mais antigo do que outros tesouros islâmicos da região (século XII), ainda que possa ter paralelo — insuficientemente caracterizado — em achados nos arredores do Castelo de Palmela." (M.Telles Antunes, 1999)
Texto: Orlando Pinto, 2014
Museu Regional de Beja
Origem das fotografias: Portal do Arqueólogo - arqueologia.igespar.pt/ ; PhotoArch - fotoarchaeology.blogspot.pt/ ; Fabuloso Mundo Subterrâneo - sesimbrasubterranea.blogspot.pt/ ; O Tempo do Risco - Carta Arqueológica de Sesimbra, 2009 ; Tábuas Árabes do Museu de Beja, Arquivo de Beja, Vol. 3, fasc. III-IV (Jul/Dez). ; Museu Regional de Beja
CNS: 21663
Datações do Sítio - Calcolítico.
Bibliografia: O Tempo do Risco - Carta Arqueológica de Sesimbra, 2009 ; Viana, Abel (1946) Tábuas Árabes do Museu de Beja, Arquivo de Beja, Vol. 3, fasc. III-IV (Jul/Dez), p. 333-335 : Borges, Artur Goulart de Melo (1989), As Inscrições Lapidares Árabes do Museu de Beja, sep. de Arqueologia, n.º 20, Porto, 12 páginas; PhotoArch - lapa-4-de-maio-tabua-arabe, 2010.