Minerais e Espeleoformas

    Património Natural

A Lapa da Furada, também conhecida por lapa do Piolho, é uma cavidade fóssil situada a cerca de 600 metros a sul da aldeia da Azóia, GPS (38º25'45,88"N ; 9º10'28,24"W). Existente nos calcário do Jurássico que preenchem o flanco meridional da estrutura de anticlinal da Arrábida no prolongamento ocidental que termina no Cabo Espichel.

Aparentemente conhecida desde sempre pela população local, foi revelada como de interesse arqueológico em Outubro de 1957 por R. Monteiro, D. Mafra e M. C. Ribeiro Cruz, sendo a primeira referência escrita feita em 1962 por E. Cunha Serrão.

A Exploração espeleológica efectiva da gruta e o seu levantamento topográfico, veio a acontecer em Agosto de 2006 por R. Francisco, J. Brazinha, L. Soares e M. Moura, que descobriram uma nova sala  de 23 m2 de área.


Do ponto de vista geomorfológico, a gruta abre-se na cota dos 159 metros, abaixo cerca de 40 metros da plataforma do cabo, extensa superfície de abrasão fini-pliocénica (cardoso,1994b). Desenvolvendo-se ao longo de uma junta de estratificação, com um desnível semi-vertical de - 43 metros e uma orientação preferencial de 210º. A entrada com cerca de 1m*1,50m, de contorno estreito e alongado, apresenta um septo a meio, provocado pelo cruzamento de uma diaclase com a junta de estratificação. A área total da gruta estima-se em 409 m2 dispostos em várias galerias que se encontram em 3 níveis. Descendo o foço de 4 metros com que a entrada comunica, chegamos ao 1º nível onde existem duas salas, a primeira ainda iluminada pela luz exterior, tem cerca de 5 m2, onde foram feitas as explorações arqueológicas, a segunda com maiores dimensões, comunica com uma rampa descendente de 12 metros, que nos leva ao segundo nível e á maior galeria com uma área aproximada de 110 m2. O terceiro nível é atingido descendo um corredor, com cerca de 15, por entre blocos rochosos, na posição semi-vertical até chegarmos ao ponto mais profundo da gruta - 43 metros.
      Publicado por Orlando Pinto  - YouTube

Do ponto de vista arqueológico , a lapa da furada corresponde a um exemplo dos poucos depósitos funerários secundários documentadas na Estremadura. Teve as primeiras prospecções em 1957 data da sua revelação e em 1958, feitas pelo mesmo grupo acompanhado por E. Serrão e M. Ramalho.

" ... revelaram fragmentos de cerâmicas Calcolíticas e do Bronze e alguns ossos humanos, parecendo portanto tratar-se de uma necrópole dessas épocas. " (Serrão, 1973; 1994)

Só em 1992 foram iniciadas as primeiras escavações arqueológicas e limitadas á sala de entrada (Cardoso,1993). O espólio recolhido justificou uma nova campanha em 1994 para conclusão da exploração arqueológica da área anteriormente iniciada. (Cardoso e Cunha, 1995). Tendo sido determinadas 4 camadas estratigráficas:

1ª camada terrosa de cor acastanhada, contendo cerâmicas pré-históricas da idade do bronze, medievais e modernas.
2ª camada terrosa de cor castanho avermelhada contendo ossos humanos misturados com materiais do Neolítico.
3ª camada de textura mais fina de cor amarelo avermelhada e poucos restos osteológicos.
4ª camada de textura muito fina de cor esbranquiçada  não contendo qualquer tipo de materiais arqueológicos ou osteológicos. (Cardoso e Cunha, 1995)

O espólio Arqueológico encontrado é atribuível  a duas épocas distintas, o Neolítico final e a Idade do Bronze. Da primeira fase da presença humana na gruta destaca-se de Indústria lítica: lâminas, micrólito, um furadouro em pedra lascada, além de um machado e uma enxó em pedra polida; de Cerâmica: vários fragmentos de cerâmicas lisas tipo Dolménico; Artefactos de osso: dois furadouros. Da segunda fase  destacam-se dois artefactos em cobre, um fragmento de anzol e uma lâmina, numerosos fragmentos de materiais cerâmicos pertencentes a uma variedade de grandes e pequenos recipientes, incluindo fundos planos, bordos extrovertidos, vasos carenados, vasos de perfil em S, com incisões e digitações nos lábios,  além de uma conta óssea pertencente a objecto de adorno.

O enorme espólio antropológico exumado e analisado, permitiu identificar a presença de 130 indivíduos dos quais 66 adultos, 32 do sexo masculino e 34 do sexo feminino além de 64 crianças e adolescentes. (Cardoso e Cunha , 1995)

 
(Adaptado de Rui Boaventura, 2009)

Relativamente ás morbilidades que foram descritas por (Cardoso e Cunha, 1995) conclui-se as seguintes situações: baixo nível de lesões ósseas traumáticas (comunidade com poucas situações de conflito), boa alimentação proteica (baixo numero de hipoplasias ambientais dentárias), alimentação de grande dureza (acentuado desgaste dentário, definitivos e de leite),  polimorfismo genético (muito baixo numero de doenças congénitas), só três ossos apresentam marcas que sugerem mordedura de animais de pequeno porte.

A estatura média para o homem seria de 1,69 m e para a mulher de 1,56 m, observou-se também a existência de vários fragmentos osteológicos de um adulto incluindo ossos longos (úmero, fémur e peróneo)  que "...recorrendo às tabelas de MANOUVRIER, correspondem a indivíduo com 1300mm des estatura. Trata-se, pois, de um anão". (Cardoso e Cunha, 1995)

Ao espólio antropológico corresponde uma datação estabelecida pelo C14 entre 2700 e 2450 a. C. (Calcolítico) (Cardoso e Cunha, 1995)

Após contacto por parte do Instituto de Medicina Legal, delegação de Lisboa, o Museu Municipal de Sesimbra acolheu este espólio em 2009, encontrando-se de momento depositado em reserva.

Questões que se levantam :
Lapa da Furada – “gruta-santuário” (?)

"...Os autores propõem uma cronologia absoluta do ossário fixada “entre cerca de 2700 e 2450 anos a.C., a que corresponde o Calcolítico pleno da Estremadura”, e uma cronologia relativa dos materiais cerâmicos da Idade do Bronze,“coevos da remobilização daquele conjunto, no qual se encontravam amalgamados”, situada entre 1700 e 1300 a.C., “na transição do Bronze pleno (horizonte do Catujal) para os primórdios do Bronze Final” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 55) – “consequentemente, pode concluir-se que foram populações da Idade do Bronze as responsáveis pela acumulação do ossário, mas não à custa dos despojos dos seus próprios elementos” (ob. cit., p. 51).
Posto isto, os autores consideram possível que tenha ocorrido, em “plena” Idade do Bronze, uma acção de limpeza de um depósito osteológico primário das proximidades, 1000 anos após a sua deposição calcolítica, provavelmente para uma reutilização funerária e/ou ritual da cavidade vizinha. Entretanto, nesse mesmo espaço, terá sido produzida uma camada com materiais da Idade do Bronze, sobreposta à camada do nível sepulcral calcolítico, antes de ambos serem totalmente misturados aquando da sua transladação para a Lapa da Furada. Por fim, após uma acção de limpeza ritualizada, dá-se uma única deposição destes materiais na Furada, respeitando o pré-existente nível do Neolítico Final (machado e enxó). O momento de transladação dos despojos da necrópole primária para a Lapa da Furada deverá ter sido ritualizado em cerimónias fúnebres que incluiriam, provavelmente, fogueiras de purificação. Esta sugestão, além dos paralelos documentados para o Neolítico e Calcolítico do Centro do País, é deduzida pela ocorrência de numerosos carvões misturados com os ossos humanos.
Os autores também descartam a hipótese de um depósito primário de origem na vizinha Lapa do Bugio (Cardoso, 1992), pelo facto de as suas tumulações remontarem, sobretudo, ao Neolítico Final, mais antigas, portanto, que a cronologia absoluta obtida para a Furada.
A respeito dos materiais datáveis da Idade do Bronze, estes ocorreram na Camada de superfície (Camada 1), associados a cerâmicas medievais e modernas, e na Camada 2, acompanhando os restos antropológicos (Cardoso e Cunha, 1995, p. 18). Estão em causa, além de numerosos fragmentos cerâmicos, uma conta de osso tubular, com perfuração cilíndrica obtida com recurso a furador metálico, e de dois artefactos de “cobre”: um fragmento de anzol de secção quadrangular (fig. 148) e uma pequena lâmina curva, com dois entalhes de fixação opostos. Se para o primeiro é possível considerar uma cronologia ainda do Calcolítico, o segundo remete para tipologias já da 1.ª Idade do Bronze, em consonância com muitos dos materiais cerâmicos. As reduzidas dimensões do “punhal” não apontam para qualquer funcionalidade que não a “votiva”, de cariz marcadamente simbólico.
A cerâmica da Idade do Bronze da Furada caracteriza-se por uma boa variedade de recipientes: grandes vasos em forma de saco, de paredes verticais na parte superior, ou suavemente introvertidas, bordos, com ou sem espessamento, e fundos planos; recipientes de menores dimensões, mas formalmente idênticos aos anteriores, os chamados “tronco-cónicos” da Idade do Bronze (fig. 99), “sucedâneos dos “copos” do Calcolítico inicial da Estremadura” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 19); taças carenadas (fig. 99), apresentando carenas bem definidas ou esbatidas; fundos planos com ligação esbatida à pança (fig. 100); numerosas taças de calote, de fundo mais ou menos achatado e de bordos com ligeiro espessamento externo; esféricos médios, de bordo não espessado ou ligeiramente exvertido, análogos às cerâmicas do Neolítico. “De salientar que todas as formas citadas se encontram representadas em contextos do Bronze médio da bacia do médio e Alto Mondego” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 19). No que se refere às pastas, estas apresentam-se, regra geral, grosseiras a muito grosseiras, incorporando volumosos grãos de quartzo e de feldspato, além de menos expressivas micas.
Apesar de residuais, algumas das formas decoradas, isoladas de um conjunto predominantemente liso, permitem-nos propor uma parcial integração em momentos já do Bronze Final. Na escassa amostra, foi possível observar fragmentos com acabamento cepillado; potes de colo estrangulado e de bordo ligeiramente exvertido, em aba, apresentando impressões espatuladas no lábio (fig. 98), produzindo um bordo denteando (com paralelos na Tapada da Ajuda); peças decoradas com cordões plásticos, pouco proeminentes e verticais, das quais se destaca um grande vaso negro brunido. É de salientar o facto de estes aspectos decorativos implicarem uma longa diacronia.
Tendo em conta a análise da cultura material e do próprio contexto, fica no ar a  possibilidade de algum grau de continuidade na utilização desta cavidade até ao Bronze Final, não obstante as conclusões cronológicas dos autores. Esta utilização seria de carácter sagrado e não funerário, na linha do verificado noutras cavidade por aqui tratadas – “grutas-santuário”. Aliás, também parece razoável admitir que os fenómenos interpretados pelos autores tenham ocorrido todos no mesmo palco – na própria gruta da Furada.
Resta recordar que a escavação da Lapa da Furada resumiu-se à primeira sala, a vestibular sala de entrada, remanescendo outros espaços com evidente potencial arqueológico. A este propósito, em recentes visitas realizadas ao local pelo signatário, foram assinalados vestígios antropológicos e cerâmicos noutros espaços não intervencionados, na mesma cota da área da escavação. "(R. Soares, 2012, p. 83,84,85)

Texto: Orlando Pinto, 2014


Apontamentos da visita inserida numa actividade da Vertente Natural em 2015-02-22

A entrada da gruta semi-encoberta pela vegetação é uma vertical com cerca de 4 m, mas com várias saliências que possibilitam apoio. São 10h a temperatura exterior é de 16,1 º C e a humidade no ar é de 66%. Chegamos à primeira sala com cerca de 50 m2 onde foram efectuadas as escavações arqueológicas em 1992 e 1995 e onde permanece a área testemunho não escavada. As paredes apresentam coloração esverdeada devido á presença de fungos e musgos, a temperatura situa-se agora nos 17,1 ºC e a humidade no ar ronda os 70%.

Fazemos diversos exercícios de rapell para nos familiarizarmos com os apetrechos que vamos usar na descida e passamos a explorar a segunda sala onde no tecto surgem estalactites com alguma argila e no chão começa a notar-se um progressivo aumento do concrecionamento, podemos ainda observar restos osteológicos humanos e alguns pedaços de cerâmica. Entrando com dificuldade numa passagem muito estreita consegui-mos penetrar numa pequena sala interior onde se observam vários espeleotemas. Saímos e caminhamos pelo lado direito da segunda sala até acedermos à rampa vertical de 12 m entre dois blocos, após a descida encontramo-nos na maior galeria da gruta com uma área de 110 m2.

Os valores climatológicos fixam-se agora nos 21 ºC de temperatura e a humidade no ar subiu para os 99%. O caos de blocos dá lugar a um alto grau de concrecionamento e as paredes e tecto estão forradas de estalactites, bandeiras e formações semelhantes a cascatas e medusas. Nova passagem muito estreita e penetramos numa galeria interior repleta de espeleotemas e com a particularidade do chão se encontrar preenchido por areia de antiga praia, o que significa que logicamente a gruta sofreu influência das variações dos níveis marinhos ocorridos, durante o pliocénico, quando da formação da zona aplanada do Cabo Espichel (Ribeiro et al., 1987). Destaque também para fósseis de Crinóides sobre um bloco rochoso, estes animais vulgarmente conhecidos como Lírios-do-mar (Antedon meridionalis), foram particularmente abundantes nos mares Paleozóicos viviam fixos ao fundo por um pedúnculo flexível, mais ou menos longo, de secção circular ou pentagonal constituído por uma coluna de ossículos discóides de calcário, no topo do pedúnculo surge o cálice, ao qual se ligam cinco braços flexíveis que se bifurcam para formar dez ou mais apêndices, pertencem ao Filo Equinodermos sendo os primeiros registos fósseis datados do Câmbrico embora o seu grande desenvolvimento se desse no Ordovícico entre 542 milhões e 488 milhões de anos, os exemplares da gruta devem pertencer a espécies Jurássicas entre 180 e 160 milhões de anos.

Continuando a exploração, passamos entre blocos caídos no chão, descendo um corredor semi-vertical de 15 m, e estamos no terceiro nível da cavidade. Vão-se observando diversificadas formas de espeleotemas, que culminam com pequenos nichos repletos de formas arborescentes e pequenas estalactites em formação. Finalmente atingimos o ponto mais profundo da gruta, uma fenda muito alta e estreita a uma cota de – 43 m. Após um pequeno descanso para retemperar forças regressamos pelo caminho inverso.

 


SlideShow - Visita à Lapa da Furada

    Publicado por Orlando Pinto em 03/03/2015 - YouTube

     

Texto: Orlando Pinto, 2015























Origem das fotografias: O Tempo do Risco - Carta Arqueológica de Sesimbra, 2009 ; plenitudeespeleologica.blogspot.pt ; A Cronologia Absoluta do depósito arqueológico da Lapa da Furada - Sesimbra Cultural nº 6-Nov.97, J.L.Cardoso,1997; A Lapa da Furada - Resultados das escavações arqueológicas de 1992/1994 - J.L.Cardoso e A.S.Cunha, 1995 ; fotoarchaeology.blogspot.pt
CNS:
374 

Datações do Sítio -
 Calcolítico / Bronze 

Bibliografia:
 Portal do Arqueólogo - arqueologia.igespar.ptO Tempo do Risco - Carta Arqueológica de Sesimbra, M.Calado, 2009; Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra - E. Cunha Serrão, 1994: A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem - R. Soares, 2012; As antas e o Megalitismo da região de Lisboa - Volume 1 R. J. Narciso Boaventura - Doutoramento em Pré-História, 2009; Na Arrábida, do Neolítico Antigo ao Bronze Final J.L.Cardoso, 2000;