Minerais e Espeleoformas

    Património Natural

A Lapa do Sono, situa-se na Serra dos Pinheirinhos a 200 metros de altitude, GPS (m=110659, p=163783), na proximidade da Lapa do Burro, desenvolve-se em terrenos Calcários do Jurássico Médio (180-160 milhões de anos a.C.), com uma orientação preferencial de 255º, tendo uma área total de cerca de 120 m2. Foi descoberta  a 20/11/2004, por Rui Francisco e José Brazinha, durante trabalhos de prospecção. Detectada através de um minúsculo orifício por onde saía uma corrente de ar húmido, foram necessários difíceis e árduos trabalhos de desobstrução. 

Passo a transcrever o empolgante texto da sua descoberta publicado no blog: (sesimbrasubterranea.blogspot.pt)

" Terça-feira, 3 de Fevereiro de 2009
A Gruta do Sono, Serra dos Pinheirinhos.
...os passos da descoberta de uma Jóia.

1ª Parte - A Gruta do Vento.
Na Serra dos Pinheirinhos havia sido detectado um pequeno buraco, pouco maior que um punho fechado, de onde vinha ar carregado de humidade. Várias vezes fui ao lugar para, nos dias frios, poder ver a condensação deste e tentar, frustrantemente abrir a entrada. Em quatro tentativas solitárias que fiz, deixei cair para dentro do buraco um telemóvel novinho, uma maceta, dois ponteiros e uma esferográfica.
A estreiteza e dureza da rocha aliados aos meios disponíveis na altura, pareciam tornar a desobstrução impossível, mas vai daí que quanto maior é a dificuldade maior é a vontade de a enfrentar.
Determinados a dar-lhe luta conseguimos, aproveitando duas diáclases que se encontravam, deslocar um enorme bloco rochoso e alargar a entrada. Ao fim de nove dias intensos entramos em mais um espaço subterrâneo virgem na Arrábida e recuperamos os objectos perdidos já havia dois anos!
Surpreendentemente a caverna não era grande, encontramo-nos perante uma pequena gruta fóssil com abatimentos colmatados por calcite. O ar que sentíamos à entrada era proveniente de espaços que, aparentemente, não eram humanamente possíveis de passar, pelo menos naquela altura.

2ª Parte - A Gruta do Sono.
A 20 de Novembro de 2004, depois de várias tentativas para descortinar a continuação da Gruta do Vento, tiramos a orientação dos estratos geológicos e da fracturação visível com a intenção de prospectar na superfície indícios do sistema cavernicola.
Começamos por seguir uma das diáclases responsáveis pela abertura da gruta. A uns 30m a sul com o auxílio de um pé de cabra que íamos espetando no chão, a certo momento, este enterrou-se no solo argiloso e de lá começou a sair ar!  Através de um buraco do raio de um dedo tivemos a certeza que tínhamos dado com uma gruta e a mim, em particular, encantava-me a forma como o tínhamos feito.
Com aquela ansiedade que só os espeleólogos sabem, começamos a desobstruir o sítio e 3 horas depois já podíamos espreitar uma pequena sala que conquistamos logo a seguir.
Foi com alguma estupefacção que não vimos a continuação da sala, estava repleta de argila e por isso tentamos encontrar a corrente de ar e segui-la. No chão, num canto, encontramos dois fragmentos de cerâmica pré-histórica, ficamos apreensivos mas como estavam sós pensamos que podiam ser roladas da superfície. Pouco depois, também num canto, encontramos um fémur humano e aí desconfiamos que estávamos perante uma necrópole pré-histórica.
A deslocação de ar vinha do fundo da sala onde a argila quase tocava o tecto. Não tendo a certeza que se tratava de uma necrópole e, se assim fosse, o chão estaria certamente estratificado, limpamos a argila sem fazer buraco entre o chão e o tecto e ao fim de um dia, acedemos a uma espectacular sala concrecionada onde não me consegui conter e soltei um grito que já a algum tempo que estava preso!
Não podemos continuar a exploração como desejávamos, no dia seguinte confirmaríamos, com aparecimento de mais cerâmica e um crânio humano, presença pré-histórica na gruta. Cientes que nos cabe a nós espeleólogos a protecção do património subterrâneo, a nossa preocupação agora era como revelar a descoberta.
Publicada por Rui Francisco "Loia" 
".


Do ponto de vista espeleológico, trata-se de uma cavidade natural, cujo acesso é feito através de um pequeno poço aberto pelos trabalhos de desobstrução, sendo depois a progressão efectuada na horizontal com um desnível máximo de -6,40 metros. E composta por duas salas interligadas por uma estreita passagem, a primeira apresenta-se muito sedimentada com uma área aproximada de 15 m2, a segunda mostra-se extraordinariamente concrecionada  e quase isenta de depósitos argilosos, tem uma área de cerca de 105 m2 com uma altura máxima de 2,40 metros. Com tecto e chão repletos de excelentes espeleoformas estalagmites, estalactites, colunas, bandeiras etc...

Do ponto de vista arqueológico, recolheram-se durante as explorações de prospecção, na fase de elaboração da nova Carta Arqueológica de Sesimbra, fragmentos de cerâmica, alguns exemplares com decoração e restos osteológicos, nomeadamente um crânio incompleto, que se pensa ser de adulto do sexo feminino.

"encontrando-se bastante deteriorado pela acção dos agentes tafonómicos, designadamente pela acção de raízes.
Terá pertencido a um indivíduo adulto do sexo feminino com uma idade à morte superior a 45-50 anos uma vez que as suturas se encontram completamente obliteradas. O único dente que se preserva, um 2º pré-molar superior direito, apresenta um grau de desgaste bastante elevado. Foi ainda possível observar a perda antemortem do 1º pré-molar direito e a perda postmortem dos incisivos central e lateral superiores direitos."
(Rui Marques e Ana Maria Silva, 2009)

Possui uma ocupação, como necrópole pré-história Neolítico antigo.

Posteriormente a Lapa do Sono, foi alvo de nova exploração arqueológica e continuação dos estudos sobre o espólio já recolhido, concluindo-se que:

"... a gruta é composta por dois espaços essencialmente diferenciados pela presença ou ausência de vestígios arqueológicos. O Sector A, imediatamente junto da entrada, apresenta-se muito colmatado pelos sedimentos que embalam a maior concentração, visível, de fragmentos de cerâmica e ossos humanos existentes na cavidade. (Fernandes, 2011)

... encontram-se fragmentos de cerâmica lisa e com decoração, com pastas em geral depuradas, compactas, e com aplicação de engobes/aguadas espessas no acabamento das superfícies externas e internas dos recipientes. A decoração quer pelas técnicas empregues, incisa e cordões plásticos, quer pelo padrão decorativo em espinha e bandas, inscreve-se no universo cultural das produções cerâmicas do Neolítico antigo evolucionado (Carvalho, 2005; Diniz, 1994, 2007; Simões, 1999).

Já foi feita uma primeira datação absoluta, pelo carbono 14, a partir de um dos molares do crânio recolhido no Sector A e que a coloca no último terço do V milénio cal BC.


Texto: Orlando Pinto, 2014










Origem das fotografias: sesimbrasubterranea.blogspot.pt megasettlements.blogspot.pt ; O Tempo do Risco - Carta Arqueológica de Sesimbra, 2009 
CNS:
32045 

Datações do Sítio
- C14 - último terço do V milénio cal BC 

Bibliografia: 
sesimbrasubterranea.blogspot.pt ; Poster - A Lapa do Sono - II International Meeting on Archaeology of Transition The Funerary World ; plenitudeespeleologica.blogspot.pt ; O Tempo do Risco - Carta Arqueológica de Sesimbra, 2009; R. Marques e A. Maria Silva - carta arqueológica de Sesimbra, pag. 151, ano 2009; Portal do Arqueólogo - arqueologia.igespar.pt/