A Gruta do Frade é a maior descoberta dos espeleólogos Sesimbrenses, se a Gruta do Zambujal era a Pérola da Espeleologia a Sul do Tejo, então a recente é um autêntico Tesouro Subterrâneo e quem sabe, talvez a mais bela gruta do país. A gruta só foi visitada, até hoje, por poucas pessoas e cada incursão exige cuidados especiais, a conservação da Gruta do Frade é primordial para proteger a riqueza impar dessa cavidade no tocante à variedade e raridade das concreções. Tudo deve ser feito para preservar este património impar e evitar erros do passado.
Situa-se na Serra dos Pinheirinhos, desenvolvendo-se debaixo da Rechã D'Arcos, inserida na unidade tectónica denominada doma da Cova da Mijona, que apresenta geometria radial, afectada por várias falhas com direcções entre NW-SE e NE-SW, de origem diapírica (Kullberg e Rocha, 1991) e magmática (Kullberg, 1996). A entrada situada ao nível do mar, tem origem na actividade de abrasão marinho, a génese da continuação da gruta, formada em calcários tipo J2 Pe do Jurássico Médio (entre 180 e 160 milhões de anos), é resultante da geometria das camadas litológicas e da fracturação. As descontinuidades existentes na estratificação, possibilitaram o seu alargamento por via mecânica e química das águas subterrâneas de circulação, resultando no colapso gravítico dos materiais dos tectos das cavidades criadas devido á insustentabilidade das mesmas.
Foi descoberta pelo NECA - Núcleo de Espeleologia da Costa Azul a 29/05/96 numa actividade de prospecção ao longo da costa. Nesse dia as condições do mar eram favoráveis a que os espeleólogos chegassem á enigmática cavidade, sobranceira á enseada do Frade, já anteriormente identificada, mas nunca explorada, apresentando uma entrada de 5 metros de altura por 4 de largura, aparentemente com pouca profundidade, porém quando entraram no espaço detectaram que existia uma abertura junto ao tecto, passando esta surgiu-lhes uma sala com cerca de 20 metros, muito concrecionada com um septo formado por várias colunas. Detectaram também várias possíveis passagens de continuação da cavidade, mas muito obstruídas, de uma delas notaram uma enorme corrente de ar, pronuncio de que haveria algo mais para explorar. A cavidade foi então denominada Gruta do Frade dada a proximidade da enseada do mesmo nome e agendada a tarefa de desobstrução.
Foram efectuadas cinco campanhas de desobstrução levadas a cabo por Armando Jorge, João da Luz, Francisco Rasteiro e Rui Francisco, após três anos de luta conseguiram finalmente passar o obstáculo a 21/06/99 e exploraram cerca de 300 metros da gruta encontrando vinte salas, a maior com 40 metros de comprimento, algumas com lagos de água salobra, todas com espeleoformas de rara beleza. No entanto o intrincado sistema cavidades não se encontra totalmente explorado, na parte superior de Sala Grande (a ultima visitável), na zona de circulação descobriu-se um complexo labiríntico ascendente de galerias, túneis e algares, por sua vez no lago da mesma sala, já se realizou uma prospecção subaquática que demonstrou a existência de uma possível ligação a outras novas áreas da gruta, neste caso desenvolvendo-se dezenas de metros abaixo do nível do mar.
Em Novembro de 2001 foi aprovado o "Projecto de Investigação do Sistema do Frade", financiado pela Comunidade Europeia e em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e a Câmara Municipal de Sesimbra.
Em 2003 um grupo de investigadores da UNL, executaram um projecto de prospecção interactiva de endocarso através de uma aplicação SIG. Para teste, foi escolhida uma área piloto a Oeste de Sesimbra, na Cova da Mijona, onde se localizam as grutas do Zambujal e do Frade. Os resultados obtidos pela aplicação desenvolvida confirmam que a dispersão da aptidão para ocorrência de endocarso é fortemente controlada pela fracturação e apresentam assim potencial para a ocorrência de outras cavidades similares (H.Vargas et al., 2003).
Vamos então visitar a Gruta do Frade e deliciarmo-nos com o universo de sonho que ela encerra.
O acesso tem de ser feito de barco e com condições favoráveis da maré, uma vez chegados á entrada ampla repara-se logo nos mantos calcíticos que a revestem e estamos na primeira das dezoito galerias que iremos visualizar. Na 1º denominada Sala dos Frades, destacam-se as várias estalactites, estalagmites e bandeiras que se formaram e mantêm-se praticamente inalteradas, não obstante o espaço bem aberto ás condições climatéricas exteriores, reparando nos detalhes encontramos as chamadas “flores de aragonite”, formas cristalinas de aragonite com cristais bem desenvolvidos, mais ao lado perto de uma parede preenchida com bandeiras, podemos observar uma estalactite com forma bisara, nos recantos das paredes temos outra curiosidade, as gotas pendentes dos recantos adquirem uma coloração dourada.
Agora vamos ter de rastejar para podermos progredir por uma passagem estreita, onde sentimos a sensação de que estarmos a atravessar um túnel de vento, devido à grande circulação de ar que percorre a conduta, que foi desobstruída durante a fase de exploração. Estamos a chegar à 2º sala, denominada Sala do Vento, onde existe como que uma bifurcação que nos permite continuarmos pela esquerda ou pela direita, vamos optar pela esquerda onde só existe uma galeria a visitar e depois voltamos para seguirmos pela direita.
Chegamos á 3º sala denominada Sala da Maria vai á Fonte, o nome deriva de uma estalagmite que se assemelha a um corpo feminino transportando um vaso. Nesta galeria destaca-se um gour onde é possível observar pelos cachos de cristais que se acumularam nas extremidades das estalactites, o nível da água em épocas posteriores, noutro gour os cristais de calcite “dente de cão”, são em tanta quantidade que nos dão a sensação de uma pequena floresta, no tecto formaram-se lindas bandeiras que alternam com estalactites.
Voltamos á sala do vento e pela direita, descemos uma passagem estreita, que nos possibilita entrar na 4º sala denominada Sala do Desvio, cujo nome já indica mais duas hipóteses de escolha, nesta galeria destaca-se logo que entramos um enorme tubular que atinge os dois metros de comprimento, e muitas pequenas pendentes aqui e ali, em plena fase de crescimento com as suas gotículas de água fortemente carbonatada, que adquire tons de prata.
Além de outras espeloformas no tecto repare-se num disco com bandeiras pendentes, se olharmos com mais profundidade é notório os vários agrupamentos de formas semelhantes a medusas parecendo flutuar no oceano, é lindo.
Bom, vamos então fazer o desvio à direita, recuando e passando entre duas colunas, chegamos á 5º sala denominada Sala da Torre de Pisa, cujo nome deve a uma enorme estalagmite inclinada como a Torre de Pisa, talvez por acção de um sismo que a tenha tombado, mas a Natureza é extraordinária, qual árvore tombada, novo rebento vai nascer e assim acontece no topo lá está em formação nova estalagmite pequena e fina na sua verticalidade, lá vai progredindo milímetro a milímetro com o passar dos tempos, já agora vale a pena relembrar que o crescimento médio de uma estalagmite será de entre 0,13 mm e 3 mm por ano dependendo da riqueza do carbonato de cálcio e dióxido de carbono das águas que percorrem a cavidade (Kramer, Stephen P.; Day, Kenrick L. 1995).
Olhando ao fundo do lado direito, as paredes estão cobertas de espeleoformas pendentes dispostas por patamares que nos fazem recordar cascatas, observando ao pormenor as estalagmites descobrimos que umas se apresentam cobertas de pequenas formações esféricas tipo pipocas, outras tem formas cónicas e ainda uma outra que se assemelha a um capacete.
Vamos agora voltar a sala do Desvio, onde viramos à esquerda por uma passagem em cotovelo e chegarmos á 6º sala denominada Sala das Tubulares e novo cenário, cada vez mais fabuloso, entramos e deparamos com um lago de tons esverdeados onde se reflecte a profusão de tubulares e estalactites pendentes do tecto, ladeadas por enormes bandeiras, que parecem as cortinas de um palco. No chão um caos de blocos caídos, contorna o lago, onde quando a maré baixa são notórias as diferentes formas em que a calcite se desenvolve, “pipocas”, “cristais dente de cão”, “arborescente” e flutuante, já não falando na estalactite com excêntricas, de onde pendem tubulares que mais parecem velas com cera derretida num candelabro, ou das estalactites brancas e cuja extremidade é forrada de cor amarela.
Seguindo em frente vamos ter uma pequena galeria, em forma de passagem a 7º sala denominada Sala do Atalho, aqui podemos observar um gour onde as formas cristalinas com cores brancas e avermelhadas nos sugerem “ovos estrelados”, nas inúmeras estalactites deparamos com exemplares de tal forma concrecionados que desenvolveram tubulares e excêntricas que mais parecem anzóis.
E chegamos á 8º sala denominada Sala do Cruzamento, pois apresenta comunicação com outras quatro, e as maravilhas sucedem-se em catadupa, á direita surge um gour idílico onde os cristais de calcite assumiram a forma de pequenas arvores, que se vão desenvolvendo lentamente, chegando algumas aos 40 cm e repare-se no requinte da bordadura do gour que parece rematado por formas vegetais a condizer.
De outro lado novo gour onde as pontas das estalactites de tons brancos adquiriram estranhos pendentes de tonalidade laranja. No chão os mantos incluem micro-gours onde se desenvolvem pequenas pérolas, enquanto o tecto se encontra também repleto de estalactites, bandeiras, discos de bandeiras, e outras espeleoformas, cada uma mais sofisticada do que a anterior, e tudo nos envolve num estado de alma que é indescritível, a sensação de bem estar sobrepõem-se a tudo.
Bom, vamos respirar fundo e prosseguir a nossa visita e chegamos á 9º sala denominada Sala do Guano, cujo nome deriva das manchas de tonalidades castanho escuras, existentes no chão e proveniente da presença de guano, o que implica a existência em épocas anteriores, em que esta galeria deveria comunicar com o exterior, de colónias de morcegos, já que actualmente não se encontram.
Nesta sala predominam os fortes contrastes dos mantos calcíticos brancos recentes que se subrepõem aos mais antigos de tonalidades escuras e se repararmos nos gours existentes, salientam-se as formações semelhantes a “pipocas” de tonalidades acastanhadas, os “ovos” e as pérolas.
Continuando chegamos a outra sala, a 10º denominada Sala das Bolas, cujo nome deriva das invulgares estalactites que foram o tecto, provenientes de terem estado mergulhadas num gour, em épocas anteriores, são de tonalidades branco acinzentado, de largo diâmetro e terminam em forma de grandes bolas.
Mas o mais incrível nesta sala é que não se vislumbra um pedaço de rocha, que não tenha sido revestida pelo concrecionamento, são mantos, cascatas, colunas, bandeiras, micro grous de cristais etc... Tudo perfeita e harmonicamente disposto para gáudio de quem tem o privilégio de aqui estar e apreciar este colosso da mãe natureza.
Até parece que chegamos ao fim da nossa visita, uma vez que a sala não apresenta continuação e já nos encontramos suficientemente maravilhados com tudo o que vimos, mas não, não é o fim, temos de voltar atrás passamos a sala do Guano e chegamos de novo á sala do Cruzamento, aí esperam-nos mais 8 salas para deliciar os nossos olhos.
Percurso feito e seguimos pela esquerda, subindo um pouco entramos na 11º sala denominada Sala da Bandeira, que se caracteriza pela existência de 3 bandeiras colossais, com faixas de tonalidades que variam do creme, pérola e branco, rematadas por uma risca dourada, mas de tal forma frágeis que ao mais pequeno som, começam a vibrar produzindo uma ressonância avassaladora. Outra particularidade desta galeria são as várias formações quebradas, por sismos, abatimentos ou outros fenómenos naturais mas que nos aparecem coladas nos seus respectivos lugares, como que por intervenção de uma mão celestial, mostrando as zonas de “cicatrização”, testemunhos petrificados da evolução da gruta.
Continuamos e chegamos á 12º sala denominada Sala da Passagem, aqui á medida que vamos percorrendo os seus cerca de 20 metros, sobre sucessivos blocos caídos, notamos a presença de muita argila e pouco concrecionamento da zona devido ao baixo teor de calcificação, e chegamos a outro cenário a 13º sala denominada Sala do Manto, agora tarefa prioritária, como o nosso calçado está impregnado de lama da sala anterior, é necessário limpá-lo, para não ficarem marcas de argila, uma vez que vamos ter de pisar os sucessivos mantos de tonalidades castanhos-escuros, claros e brancos, que cobrem o chão da cavidade, no tecto nova profusão de espeleoformas estando o nível de calcificação a voltar ao normal do sistema.
Percorremos a galeria e vamos entrar na 14º sala denominada Sala dos Cogumelos, o seu nome deriva da forma peculiar da ponta das estalactites, que outrora estiveram mergulhadas em água de um gour, a um nível muito superior ao actual.
Este dinamismo hídrico da gruta, originou os mantos, as cascatas, as bandeiras e toda a panóplia de espeleoformas que os nossos olhos estarrecidos apreciam agora.
Os gours autênticos laboratórios de cristalização de formas, continuam activos e as excêntricas vão desenvolvendo as suas gotas pendentes, que continuam o seu processo imparável de evolução, ano após ano.
Continuando a nossa progressão dirigimo-nos a uma passagem pouco acessível e com elevadíssimo grau de humidade, aliás a água escorre pelas paredes, a roupinha encharcada espera por nós.
Depois de superado o obstáculo chegamos a novo universo a 15º sala denominada Sala Branca, cujo nome deriva do manto branco que cobre todo o chão, contrastando com as tonalidades amareladas das formações.
Numa das paredes temos a sensação de observar uma paisagem com arvores ao fundo (Colunas e bandeiras) e diferentes patamares onde a água cai formando várias cascatas.
Outra maravilha são os “fósforos”, estalactites e ou tubulares normalmente associadas a gours, apresentam-se de cor branca e na extremidade uma capa de tom alaranjado.
E como se tem visto cada sala é diferente e extraordinariamente requintada, mais parece que a natureza quis mostrar todas as possibilidades de organizar a matéria de uma forma sublime e arquitectónicamente bela.
Bom, vamos parar um pouco descansar as pernas e retemperar forças, desta longa jornada, pois ainda nos falta visitar mais três salas e como não vamos ter saída, resta-nos todo o percurso em sentido inverso, descansemos então.
Prosseguindo a nossa viagem, subimos por um dos mantos e entramos na 16º sala denominada Sala dos Gours, aqui todo o cuidado é pouco para não pisarmos os vários gours que invadem o chão.
São extraordinariamente frágeis estes pequenos laboratórios da natureza, onde se ensaiam, formas de cristalização inauditas e encontram-se repletos de espeleoformas impares, que nos fazem soltar a imaginação e compara-las a com o quotidiano.
Mas se olharmos em redor e para o tecto a magia continua de forma fascinante, nas suas tonalidades do branco, ao castanho, o nível de concrecionamento elevadíssimo como que forrou todo o espaço da cavidade.
Progredindo, fazemos uma descida e chegamos á 17º sala denominada Sala dos Encantos, nesta galeria começamos por observar no chão os gours repletos de calcite que assumiu a forma de pequenas taças e “nenúfares”.
Em alguns trechos a calcite que forra o chão adquiriu a cor laranja, contrastando com o branco das outras formas litoquímicas.
Ao contemplarmos o lago, reparamos que a limpidez da água permite observar o fundo, que se encontra repleto de formas idílicas e que de onde em onde emergem sumptuosas estalactites.
É também nesta sala que se pode observar a maior excêntrica da gruta alem de que muitas das estalactites e estalagmites se encontram polvilhadas de imensas agulhas cristalinas de calcite e aragonite.
E vamos entrar na 18º sala denominada Sala Grande, passamos por baixo duma série de bandeiras e surge-nos no tecto como que uma floresta de finas tubulares com cerca de 2 metros de comprimento, aqui e ali surgem formações semelhantes a medusas, o chão encontra-se coberto por grandes blocos, mais ao fundo por entre eles sobem estalactites de várias dimensões, alguns dos blocos já se encontram forrados por mantos, num deles podemos observar como que a representação de um rosto humano, digamos que é o guardião da gruta.
O grande lago de águas límpidas e tonalidades esverdeadas, preenche o fundo da cavidade. Na parte terminal da sala o tecto apresenta-se coberto por pequenas formações esféricas de côr branca e chegamos não ao fim da gruta mas á chamada Zona Labirintica que apresenta uma complexa rede de galerias ainda não visitável.
Texto: Orlando Pinto, 2014
Origem das fotografias: Sistema Cársico do Frade - NECA ; sesimbrasubterranea.blogspot.pt ;
Bibliografia: Sistema Cársico do Frade - Núcleo de Espeleologia da Costa Azul, 2005; Revista Trogle nº 4 - Agosto, 2002; sesimbrasubterranea.blogspot.pt; nationalgeographic.pt; Jornal Forum Ambiente nº 250, 28 de Setembro de 1999; espelaion.blogspot.pt; lusodinos.blogspot.pt; Prospecção de endocarso através duma aplicação de SIG, H. Vargas, J. Kullberg, M. Brito, 2003