A Lapa de Santa Margarida, tal como a Gruta da Figueira Brava, outra ocorrência de destaque, a cerca de poucas dezenas de metros, situam-se, no sopé do maciço da serra da Arrábida, na encosta Sul, entre a Praia de Alpertuche e o Portinho, em arribas escavadas pelo mar no Plistocénico, numa zona actualmente representada por conglomerados provenientes de terraços marinhos de 12-15 e 5-8 metros, resultantes do último interglaciário e ao princípio da glaciação de Wurm - 100.000 Anos, Tirreniano II e III (J.Pais e P.Legoinha, 2000). Actualmente, o desnível da gruta ao nível do mar deverá situar-se entre os 5 metros.
Esta cavidade da Arrábida sempre foi do conhecimento de todas as gerações que habitaram a região, Joaquim Rasteiro em 1857 na publicação Arqueólogo Português já a mencionava:
"A lapa de Santa Margarida, junta ao mar. Tomou o nome da capella d'esta vocação, que tem dentro. E de bom accesso, muito vasta; robustas columnas naturaes parecem sustentar a cobertura dos rochedos"
Alexandre Herculano descrevia, desta forma:
"abre-se em dois arcos na rocha, um que dá sobre o mar, outro que dá para fragas. Entra-se pelo que dá sobre o mar, até onde vos puder internar o vosso barquinho, como fazem os pescadores do Cabo quando vão ouvir missa ou levar oferenda à Santa da Lapa. De repente arqueia-se sobre vós a gruta silenciosa, cheia de uma frescura e de uma suavidade inalteráveis, sepultada num silêncio religioso que o roçar das ondas parece não interromper. Recorta-se irregularmente em caprichosas estalactites o côncavo da Lapa. Em alguns pontos, foram subindo do solo as colunas vítreas a que os naturalistas chamam estalagmites, e tanto cresceram que puderam fundir-se com as grandes massas de carambina pendentes da abóbada. Abraçaram-se e fizeram colunas que três homens não poderão abranger com os braços."
note-se, nesta descrição:
"abre-se em dois arcos na rocha, um que dá sobre o mar, outro que dá para fragas" , referência às duas salas que constituem a gruta. "Em alguns pontos, foram subindo do solo as colunas vítreas", referência nítida à transparência proveniente das estalagmites ainda em forma cristalina, não oxidada pelas condições adversas a que foi posteriormente sujeita. "tanto cresceram que puderam fundir-se com as grandes massas de carambina pendentes da abóbada", "carambina" (Gelo pendente das árvores, o mesmo que sincelo - pedaços de caramelo, suspensos das árvores ou dos beirais dos telhados e resultantes da congelação da chuva ou do orvalho.) Mais uma referência ao aspecto cristalino que toda a gruta deveria apresentar na altura. "Abraçaram-se e fizeram colunas que três homens não poderão abranger com os braços" . Referência às dimensões das, colunas existentes na gruta. Tudo isto só prova que a visitou, e o surpreendeu pela beleza imanada.
Do ponto de vista espeleológico, trata-se de uma cavidade Cársica. do maciço da Arrábida rica em biocalcarenitos miocénicos, têm uma entrada, pela falésia natural, virada ao oceano, onde se depara com uma grande sala, na zona central no século XVIII foi construída uma pequena Capela. Em 2011 foi visitada pelos espeleólogos da CAS - Carta Arqueológica de Setúbal, que fizeram o respectivo levantamento topográfico.
A gruta assenta numa plataforma de abrasão marinha, apresentando a seguinte sucessão estratigráfica, em destaque de cima para baixo, no terraço de 5 - 8 metros (Zbyszewski, 1965):
3 - Brecha bem cimentada, avermelhada e acastanhada, com ossos de vertebrados terrestres, lascas mustierenses e leitos estalagmíticos.
2 - Conglomerado de cimento avermelhado e com fragmentos de Patella safiana, Chamelea, Venerupis, Ostrea, etc... Nota curiosa, a Patella safiana é considerada como característica de águas quentes, actualmente o seu limite norte, é o território de Marrocos, o que nada tem a ver com as condições climatéricas da glaciação Würm, isto porque o terraço de 5 - 8 metros corresponderia ao episódio de Denekamp, ocorrido na referida glaciação (Nilsson, 1983): "O episódio em causa corresponderia ao Tirreniano III da região mediterrânea e a um máximo de transgressão marinha; a temperatura das águas do mar, possivelmente um tanto mais elevada do que hoje, pode ser inferida pela presença de Patella safiana..." (M.Antunes et al, 1989)
1 - Conglomerados de grandes elementos com indústrias paleolíticas misturadas.
Do ponto de vista arqueológico, foi considerada uma gruta com ocupação no período Paleolítico, com restos de fauna e materiais líticos. Foram feitas escavações por G. Zbyszewski e H. Breuil em 1940 e 1945 e em 1949 é feito o estudo e classificação dos fósseis do terraço de 5-8 metros das grutas da Arrábida por Zbyszewski e Teixeira.
Do Espólio recolhido por Zbyszewski e Breuil em 1940, na sequência estratigráfica, constituída por areias e pedras, ricas em conchas, datadas por C14, U entre 30 e 31 mil BP (Patella safiana do mesmo estrato Forte da Baralha) e restos de fragmentos de ossos trazidos pelo homem.
Destacam-se: um biface Abbevilense com uma forte patine eólica e as dimensões de 17 cm de comprimento, 12 cm de largura e 8 cm de espessura, proveniente do nível 1; um artefacto de forma ovóide em quartzo sem vestígios de corrosão marinha com dimensão axial de 7,7 cm, transversal de 9,9 cm e espessura de 5,4 cm Achelense ou Languedocense (foto 1, nº 1), proveniente do nível 1; um biface ovóide em quartzo com as dimensões de 6,2 cm de comprimento, 4,9 cm de largura e 3,2 cm de espessura, (foto 1, nº 2) proveniente do nível 2; um fragmento de artefacto em quartzo, talhado e também apresentando patine com as dimensões de 4,6 cm de comprimento , 2,3 cm de largura e 1,2 cm de espessura (foto 1, nº 3), proveniente do nível 3; os dois últimos artefactos considerados, como Musterierenses (H. Breuil e G. Zbyszewski, 1945).
Publicado por Rui Palmela - YouTube
Texto: Orlando Pinto, 2014
Lapa de Santa Margarida (Esquerda)
Gruta da Figueira Brava (Direita)
Origem das fotografias: Contribution a l'etude des industries paleolithiques du Portugal - G. Zbyszewski et H. Breuil ; www.geocaching.com/geocache/GCA14F; Gruta da Figueira Brava (Arrabida) - Geological setting, J. Pais & P. Legoinha
CNS: 18550
Datações do Sítio: Paleolítico
Bibliografia: Contribution a l'etude des industries paleolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la geologie du Quaternaire. In Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal - G. Zbyszewski et H. Breuil,1945; Portal do Arqueólogo - arqueologia.igespar.pt/; Paleolítico médio em Galapos (Arrábida) - M. T. Antunes et al., 1992; Gruta da Figueira Brava (Arrabida) - Geological setting, J. Pais & P. Legoinha, 2000; The Paleogene and Neogene of Western Iberia (Portugal) - A Cenozoic Record in The European Atlantic Domain – Springer Briefs In Earth Sciences, J. Pais et al., 2012; fotoarchaeology.blogspot.pt ;