A Gruta situa-se, nas coordenadas 38º 28' 61" de latitude Norte e 8º 59' 73" de longitude Oeste de Greenwich, acima da estrada que desce serpenteando a serra e a densa vegetação (Vale do Solitário - mata coberta), em direcção ao Portinho da Arrábida. Mais propriamente na encosta meridional do maciço da serra da Arrábida, na base de uma pequena falésia, que emerge dos arbustos.
Notas históricas:
Numa publicação de 1873, a sua localização era descrita da seguinte forma:
" El logar eminente, e não distante do vale que chamam da Mata Coberta, por ser de espessura impenetrável aos raios de sol, vêm-se ainda os restos da parede que resguardam o concavo da rocha onde habitou um médico, do qual a tradição nos refere apenas que foi notável pelos seus conhecimentos científicos, e que ali se recolheu, depois de haver percorrido vários países em dilatadas viagens. " (M. M. Portela, 1873)
Numa publicação de 1939, a sua localização era descrita da seguinte forma:
" A Lapa fica no atalho que da porta do Carro segue ao chafariz do Solitário, passando as ruínas da capela de S. Paulo e atravessando-se o Vale da mesma denominação " (José Albino, Pub. 1939)
Descoberta ocasionalmente, entre 1856 e 1857, por um pastor e amigos, que se encontravam no lugar, executando as suas rotinas diárias, de apascentar o gado. Assim descreve M. M. Portela em 1873:
" O pavimento subterrâneo da Lapa do Médico foi casualmente descoberto no ano de 1856 ou 1857 por um pastor e por mais dois indivíduos que com ele estavam, destacando-se por meio da força uma pequena pedra, e atraídos pelo som que haviam percebido vir debaixo dele quando tocado com cajado, cuja extremidade era revestida de ferro. " (M. M. Portela, 1873)
" A lapa do Medico, na meia encosta do monte Abraão, á esquerda do caminho que vae da fonte do Solitário para o mosteiro pelo valle de S, Paulo. Tinha formosas estalactites e estalagmites, que foram destruidas na maior parte pelos visitadores. A parte superior foi habitação de um cenobita; o subterrâneo foi descoberto ahi por 1850 devido á queda de uma pedra, que fechava a entrada." (J. Rasteiro, 1897)
Do ponto de vista espeleológico, trata-se de uma profunda cavidade, resultante da intensa actividade cársica da zona envolvente da gruta, constituída por rocha calcária do Jurássico - J²p. Desenvolvendo-se na cota dos 210 metros, ao longo duma junta de estratificação, apresenta progressão semivertical no sentido oeste-este, com um desnível de -21 metros. A sua área de cerca de 174 metros quadrados é formada por 4 salas sobrepostas em 3 patamares, que apresentam muitas e variadas espeleoformas.
A entrada da gruta encontra-se numa cavidade natural, junto a algumas rochas caídas da falésia, num pequeno buraco que evolui para o seu interior na vertical. Descendo este primeiro obstáculo, com ou sem corda, entramos na 1º sala, quase circular, de largas dimensões, relativamente às seguintes.
A cerca de 5 metros da entrada desta mesma sala deparamos com uma estalagmite de forma curiosa, penso que seria esta, a que se refere José Albino, na sua publicação de 1939.
"Na do Médico logo à entrada nos aparece como que uma mitra de bispo e ao fundo, colunas dando um aspecto fantástico".
Circulando esta formação, pela esquerda e descendo, mais cerca de 5 metros, com corda, entramos na 2ª sala. Esta de dimensões mais pequenas, apresenta na parede da direita, uma zona bastante húmida, constituída por formações específicas e onde é possível verificar o aparecimento de pequenas gotículas de água gaso-carbónica, que demonstram a vivacidade da gruta.
Ainda à direita, nesta 2ª sala, podemos observar uma passagem, para 3ª sala bastante alta, com cerca de 3 metros e em forma de corredor. No seu extremo deparamos com o mais difícil e temível obstáculo desta cavidade, o famoso e terrível " Buraco da Agulha "
"nota pessoal: lembra-me como se fosse hoje, a primeira vez, que lá entrei, era eu jovem, acompanhado dos meus amigos, foi difícil entrar no Buraco da Agulha, só após várias tentativas e com ensinamentos do Jorge Campos (filho), que já estava lá em baixo, consegui, o pior foi no retorno, tive de tirar o cinto onde alojava todas as pilhas, que alimentavam as minhas fontes de iluminação, para puder sair, quase às escuras mas consegui. - Orlando Pinto, 1970"
Note-se que a dificuldade é real e como tal à que usar a seguinte técnica para superar o obstáculo, seguir a seguinte ordem de penetração: 1º uma perna, 2º tronco, 3º cabeça, 4º a outra perna. Mas vale a pena, pois desta forma conseguimos chegar à 4ª e última sala com cerca de 3 metros, se pretendermos ir até ao ao fundo da galeria ainda teremos de descer cerca de 1,5 m.
As suas formações, embora comuns a uma gruta natural, permitem destacar algumas de rara beleza e dignas de destaque como por exemplo:
2 a) Na 1ª sala espeleofomas
2 b) Na 1ª sala estalagmite
2 c) Na 2ª sala estalactite com gota de água gaso-carbónica
2 d) Na 3ª sala Tecto, parede e Chão
2 e) O famoso Buraco da Agulha
Do ponto de vista arqueológico, atendendo à localização da gruta e de todas as proximidades que têm com outras (Lapa de Stª Margarida, Gruta da Figueira Brava, Gruta dos Morcegos, etc...), de valor já reconhecido, existententes na região, era quase impossível que também não tivesse servido de abrigo, necrópole (?), “gruta-santuário” (?), às diferentes culturas que habitaram a região.
"O átrio de entrada ainda conserva vestígios de uma antiga construção adossada à rocha (a estrutura de pedra seca das ombreiras da porta e os arranques de uma cobertura alpendrada), provavelmente de função religiosa, tendo em conta a proximidade da “lapacapela” de Santa Margarida e do Convento da Arrábida e por ali passar um secular caminho que o liga ao ermitério de El Cármen. De assinalar, também, a proximidade ao Portinho e à Serra da Cela, a cerca de 1 km." (Ricardo Soares, 2012)
Em 2012/13 decorreram trabalhos de exploração no âmbito da Carta Arqueológica de Setúbal, que permitiram já recolher e registar alguns materiais de indústria lítica em sílex, fragmentos de cerâmica negra brunida, cerâmica manual e restos osteológicos, além de alguns dentes humanos.
" ... além de diversos vestígios de época medieval/moderna e de alguma indústria lítica em sílex, dois fragmentos de cerâmica negra brunida, não ornatados, e que apesar de não proporcionarem colagem, parecem corresponder ao mesmo recipiente. Curiosamente, estes dois fragmentos encontravam-se bastante distanciados entre si: um no interior da cavidade, em excelente estado de conservação; o outro no exterior, mais erodido, mas que pelo facto de ainda conservar algum brunimento e brilho supõe uma mobilização relativamente recente." (Ricardo Soares, 2012)
" ...No interior da gruta, na base da entrada vertical, abre-se um estreito recanto, colmatado por dejecções sedimentares que o preenchem quase na totalidade. Depois de um apertado rastejamento, o signatário identificou um fragmento de cerâmica manual (bordo simples), associado a duas vértebras que, segundo uma informal consulta antropológica, são lombares, além de alguns dentes humanos. Estes achados constituem um forte indício de uma necrópole que poderá pertencer ao Bronze Final, tendo em conta o registo artefactual associado e os arqueossítios da envolvente. Por outro lado, atendendo ao contexto regional, que prima pela ausência de restos humanos da Idade do Bronze em ambientes de gruta, pode sim tratar-se de uma necrópole de época anterior à Idade do Bronze (Neolítico/Calcolítico?). A utilização desta cavidade enquanto “gruta-santuário”, durante a Idade do Bronze, constitui uma forte hipótese, em aberto." (Ricardo Soares, 2012)
3 a) Passagem para o recanto presumivelmente utilizado como necrópole (foto de R. Soares).
3 b) Fragmento de cerâmica brunida (foto de R. Soares).
3 c) Fragmento de cerâmica brunida (foto de R. Soares).
3 d) Fragmento de cerâmica manual (foto de R. Soares).
3 e) Fragmento de cerâmica manual (foto de R. Soares).
3 f) Fragmento de fundo plano (foto de R. Soares).
3 g) Fragmento de bordo simples registado em associação aos restos antropológicos (foto de R. Soares).
3 h) Vértebra lombar humana (foto de R. Soares).
3 i) Dente humano (foto de R. Soares).
Explorações Efectuadas e Publicações: Publicação na Gazeta Setubalense, nº 218 de 27/6/1873 - por Manuel Maria Portela Publicação de 1939 - por José Albino Publicação A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem - Ricardo Soares Exploração por M. Antunes Explorações Carta Arqueológica de Setúbal Six Feet Under (Arrábida) - by pcardoso
Apontamentos da visita inserida numa actividade da Vertente Natural em 2015-03-21
Estamos em plena serra da Arrábida o dia está cinzento e começam a cair as primeiras gotas de chuva. Iniciamos a subida na Mata Coberta, pelo caminho secular que vem da fonte do Solitário para o mosteiro, outrora percorrido pelos monges arrábidos. A subida é longa e sinuosa, observamos entre a flora variada e nesta época do ano repleta de fores, a Roseira-brava (Rosaceae), a Boca-de-lobo (Antirrhhinum linkianum) e a Pascoinha (Coronilla Valentina-glauca).
A entrada da gruta situa-se logo acima da cascalheira que se tem formado pela desagregação da falésia denominada “Mesa do Galhardo”, que emerge dos arbustos. É ampla e formada por uma única sala que serviu de habitação ao médico que a usou (M. M. Portela, 1873), sendo ainda visíveis restos da parede construída. São 10h a temperatura exterior é de 15 º C e a humidade no ar é de 99% está a chuviscar. No chão do átrio existe um pequeno buraco que possibilita a passagem ás galerias inferiores, trata-se de uma vertical com cerca de 3 m, mas com várias saliências que possibilitam apoio. Descendo chegamos à primeira sala que reservamos para visitar na saída. Do lado direito existe outra pequena passagem que rastejando cerca de 2,5m nos conduz à segunda sala com cerca de 24m. As espeleoformas encontram-se pulverulentas e secas uma vez que esta é uma cavidade fóssil (gruta que já não apresenta circulação de água com ácido carbónico), embora na parede da direita se encontre uma zona bastante húmida. Atravessamos entre paredes estreitas e bastante altas, provenientes das várias diáclases que intersectam a gruta (Manuppella et al, 1999) e que nos permitem técnicas de progressão vertical, aliás não vamos ter necessidade de usar corda para explorar-mos toda a cavidade, é a gruta-escola normalmente usada para o ensino de técnicas de progressão em espeleologia, a temperatura situa-se agora nos 19,5 ºC e a humidade no ar ronda os 90%.
Voltamos para traz observando nas paredes a presença de uma ou outra aranha do tipo Nesticus lusitanicus e Tegenaria parietina, passamos então à terceira sala com cerca de 22m. Os valores climatológicos fixam-se agora nos 19,8 ºC de temperatura e a humidade no ar subiu para os 97%. Nova passagem muito estreita antes de chegarmos ao famoso Buraco da agulha e o caos de blocos dá lugar a um alto grau de concrecionamento, as paredes e chão estão forradas de estalagmites, bandeiras e formações semelhantes a cascatas e medusas. Atingimos o ponto mais baixo da cavidade -21m e fazemos em sentido inverso o mesmo percurso, novas dificuldades nas estreitas passagens. Vamos agora explorar a primeira sala com cerca de 21m, a temperatura regista 17 ºC enquanto a humidade é de 89%. Nesta galeria destacam-se algumas estalagmites e colunas com brilho ceroso enquanto os restantes espeleotemas do tecto e paredes surgem com aspecto pulverulento devido à quase total ausência das águas de circulação. Subimos ao átrio da entrada da gruta e após um pequeno descanso ao sol que entretanto apareceu, retemperamos forças e regressamos descendo pelo caminho da mata coberta.
SlideShow - Visita à Gruta do médico
Publicado por Orlando Pinto em 01/04/2015 - YouTube
Texto: Orlando Pinto, 2015
(2 a)(2 b)(2 c)(2 d)(2 e)(3 a)(3 b)(3 c)(3 d)(3 e)(3 f)(3 g)(3 h)(3 h)(3 i)
Origem das fotografias: geocaching.com/geocache/GCH618 ; Património Cavernícola da Arrábida Oriental - Agosto de 2013 - Vídeo realizado no âmbito da CAS- Carta Arqueológica de Setúbal ; fotoarchaeology.blogspot
Bibliografia : Gazeta Setubalense, nº 218 de 27/6/1873 - por Manuel Maria Portela; Publicação de José Albino, 1939; A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem - Ricardo Soares, 2012; Arqueólogo Português de 1897 - por Joaquim Rasteiro; Património Cavernícola da Arrábida Oriental - Rui Francisco, Agosto de 2013; fotoarchaeology.blogspot, 2012; sesimbrasubterranea.blogspot.pt