Minerais e Espeleoformas

    Património Natural

A Gruta da Figueira Brava, situa-se, nas coordenadas 38º 28' 23" de latitude Norte e 8º 59' 42" de longitude Oeste de Greenwich, no sopé da encosta meridional do maciço da serra da Arrábida, entre Alpertuche e o Portinho da Arrábida, a ocidente do Forte do Creiro, em arribas constituídas por rochas carbonatadas detríticas, datadas do Miocénico, escavadas pelo mar no Plistocénico, numa zona actualmente representada por conglomerados, provenientes de terraços marinhos de 12-15 e 5-8 metros, resultantes do último intreglaciário e ao princípio da glaciação de Wurm - 100.000 Anos (Pais, J.; Legoinha P., 2000).

Embora conhecida desde sempre pelas diferentes gerações que habitaram a região, a primeira referência surge numa publicação de 1945, relativa á prospeção por H. Breuil e G. Zbyszewski, que detectaram a presença de indústria lítica e restos faunisticos quaternários.

Do ponto de vista espeleológico, trata-se de uma cavidade com uma área de cerca de 748 metros quadrados, 74 metros de comprimento e um desnível de + 11 metros, resultante de dois factores naturais em sobreposição, a intensa actividade cársica regional, provocando o alargamento de uma diaclase vertical ao longo de rochas carbonatadas detríticas do Miocénico (M. T. Antunes, 1991) e a atividade de abrasão marinho, num período em que o nível do mar estaria cerca de 5 metros acima do actual. A gruta apresenta três entradas conservando-se na segunda e terceira depósitos do Plistocénico Superior.

 
Levantamento topográfico efectuado pelos espéleologos da CAS - Carta Arqueológica de Setúbal 

As suas formações são comuns a uma gruta natural sendo as espeleoformas normais sem nada de especial a assinalar. O acesso efectua-se, pela falésia ou por mar, a entrada principal, situa-se a cerca de cinco metros do nível do mar, comunicando com um corredor bastante alta e largo de paredes irregulares, tendo cerca de 12 m de comprimento, encontra-se muito adulterado por "ocupações recentes" que incluião uma casa clandestina, já demolida. Esta galeria liga a uma sala interior, bastante maior, de planta assimétrica, com cerca de 10 m de altura, coberta de espessa crosta estalagmítica, prolongando-se na direcção Este por corredor afunilado que dificulta a passagem para uma outra ampla sala.

Do ponto de vista Arqueológico, foi considerada uma gruta com ocupação durante o Paleolítico Médio, com uma indústria lítica correspondente a Mustierense típico (Raposo, L.; Cardoso, J.L., 1995), associada à presença de  restos neandertalenses com datação por radiocarbono de 30.930 ± 700 B.P., apartir de conchas de moluscos marinhos (Antunes et al., 1989). Como esta datação aponta para a persistência de indústrias mustierenses após os limites habitualmente admitidos, tornaram-na de interesse fundamental, para o conhecimento dos últimos neandertais, daí ser relacionada mundialmente com os estudos universais sobre o Homo Neandertal, suas longevidades e a possível miscenização cromossomática ao longo de gerações.

A estratigrafia observada na Gruta da Figueira Brava, é constituída por areias com ambundantes restos de conchas e ossos de origem antrópica, conglomerados do Tirreniano III e brechas muito compactas, concrecionadas por calcite sendo notórios cinco níveis, pertencendo quatro ao Plistocénico, que passo a descrever:

 Corte Estratigráfico da Gruta da Figueira Brava (Antunes e Cardoso, in Antunes, 1991)

1 – Camada estalagmítica de 0,15 m formada por leitos sobrepostos, incorporando fragmentos de ânforas Romanas e restos de ovinos (Antunes e Cardoso, 1991).
2 – Camada de 0,80 m constituída por areias pouco consolidadas de tom avermelhado e nalgumas zonas apresentando maior grau de consolidação por acção da precipitação do carbonato de cálcio proveniente da própria cavidade, contendo abundante fauna Plistocénica e materiais de indústria lítica.

Tendo sido a idade desta camada datada entre 30 a 31.000 BP. 

Pelo carbono 14, a partir de conchas de Patella sp, ICEN-387 - 30.930 +- 700 anos BP e partindo de dentes de Cervus elaphus por séries de urânio, SMU-232 – 30.561+11.759-10.725; SMU-233 – 44.806+15.889-13.959; que forneceram datações compatíveis com as do carbono 14 (Antunes e Cardoso, 2000).

3 – Camada mais compacta de 0,25 m com tonalidade amarelo-acinzentada, contendo poucos restos faunísticos, materiais líticos e apresentando restos carbonosos.
4 – Camada de cor bastante escura de 0,10 m, essencialmente formada por cinzas e restos carbonosos, indicando a prática corrente do fogo no interior do abrigo.
5 – Camada de 0,20 m, formada por conglomerado de seixos calcários e dolomíticos do Jurássico, sobrepondo-se ás rochas Miocénicas do chão da Cavidade.

Foram várias as prospeções e escavações efectuadas a primeira em 1942 por G. Zbyszewski e H. Breuil tendo sido recolhido restos de fauna quaternária e indústria lítica (foto 1). Seguida por mais sete levadas a cabo por: C.Tavares da Silva e elementos do Centro de Arqueologia de Almada, sendo recolhidos artefactos líticos e fauna plistocénica (Silva e Soares, 1986).
Resumo dos relatórios das últimas campamhas efectuadas e constantes do CNS - 3915 da Direção Geral do Património Cultural. 

Prospeção 1986 - Miguel Telles Antunes - Recolheram-se vários materiais arqueológicos, incluindo fauna ossadas de foca-ártica, pinguim-gigante e restos de dentes de Homo Neanderthanlensis. 
Escavação 1989 - Carlos Tavares da Silva e Maria Coelho Soares - Foram exumados, imediatamente abaixo de uma fina camada estalagmítica, diversos artefactos em quartzo, sílex e quartzito, alguns sob lascas regulares a tenderem para lâminas, peças com entalhes laterias (encoches) e denticulados, buris e núcleos. Associada a esta indústria encontraram-se restos faunísticos, numa camada areno-argilosa castanha-amarelada, de ossos de Cervus elaphus, dentes prémolares de Hyaena Crocuta e conchas de géneros Mytilus e Patella.
Levantamento 2010 - João Zilhão - Tendo por base a zona interna da Entrada 3, foi confirmado e demonstrado, o excepcional interesse da jazida para o estudo e exploração dos recursos marinhos pelas últimas culturas neandertais da Península Ibérica. Note-se que a densidade da componente de conchas marinhas na amostra da Figueira Brava é superior à calculada para os dois contextos sul-africanos em que essa exploração, da mesma época, está atribuída ao Homem anatomicamente moderno e serve de base à teoria de que dois indicadores de "modernidade" comportamental foram as actividades como a pesca e o marisqueio.
Escavação 2011 - João Zilhão - Escavação de 1 m2 até uma profundidade de 50 cm. Reconhecimento de três unidades estratigráficas seladas por crosta estalagmítica datada de há 60.000 anos e implicando uma cronologia MIS-4 e MIS-5 para depósitos subjacentes. Indústria do Peleolítico Médio em quartzo e sílex associada a fauna abundante com recursos marinhos em proporção significativa.
Escavação 2012 - João Zilhão - Rocha de base atingida a cerca de 1 m de profundidade nos quadrados U8 (sondagem 2011) e T8. Escavação dos quadrantes Este de U7 e T7 atá à base do nível A5. Amostra adicional de indústria do paleolítico médio em quartzo e sílex, associada a fauna abundante com recursos marinhos em proporção significativa, incluindo vértebras de peixe. Obtenção de amostras para datação por OSL dos depósitos em escavação, dos escavados em 1987-88, e dos depósitos do lado externo.

Espólio recolhido e depositado em : Museu dos Serviços Geológicos - Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal - UNIARQ - Unidade de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Centro de Estudos Geológicos FCT-UNL. 

Indústria Lítica - foram já recolhidos, cerca de dois milhares e meio de artefactos, excluídas as esquírolas de talhe. Destacam-se artefactos elaborados sobre lascas, semelhantes a lâminas regulares, e outros com entalhes, laterais (encoches) e denticulados além de vários do tipo buris e núcleos. Executados em quartzo (proveniente de conglomerados do jurássico superior da Serra da Arrábida), sílex e quartzito (de rochas siliciosas da Serra de São Luís).

"Os procedimentos de talhe característicos do Paleolítico Médio - discóide e Levallois - são amplamente maioritários, com predomínio esmagador do primeiro" (Raposo e Cardoso, 2000). Este facto deve-se provavelmente ao tipo matérias-primas e sobretudo dos suportes iniciais utilizados. "Nos utensílios, predominamos raspadores(IR:57) - e, nestes, os simples convexos, seguidos dos denticulados (Grupo IV: I7) e entalhes (Grupo IV a: 22,6). Tendo em conta os critérios da diagnose bordiana tradicional das indústrias líticas do Paleolítico Médio, pode dizer-se que a indústria da Gruta da Figueira Brava corresponde a Mustierense Típico, rico em denticulados, de talhe não Levallois e fácies não levalloisense " (Raposo e Cardoso, 2000).

Restos osteológicos humanos - Foram descobertos e recolhidos alguns vestígios: destacam-se, um dente, e uma falange do Homem de Neandertal (Antunes e Cardoso, 1992) , "... hay que constatar la presencia de restos atribuibles a Homo sapiiens neaanderthalensis, un segundo premolar, un metacarpiano y uma falange... (Antunes 1990/91)", que se revelaram de uma importância fundamental e são mundialmente reconhecidos , como dos últimos vestígios, da sua presença. Conjuntamente com os achados referência de: Zafarraya, Cueva de Sidrón (Espanha) e Salemas, Columbeira (Portugal). O que prova, que os Neandertais da industria Mustierense, e as populações Aurignasenses, foram contemporâneas na península Ibérica (Scott E. Mardis, 1995), com ou sem miscigenação de genes e aparecimento de híbridos ? como se está a estudar com os achados de Lagar Velho (C. Duarte et al., 1999) ; ( Tattersall & Schwarts, 1999). Note-se que segundo Zbyszewski & Teixeira (1949), o terrasso de 5-8 metros, onde a gruta se encontra, é referenciado como sendo semelhante a outro existente na "Devilís Tower" em Gibraltar, reconhecida jazida Neandertal.

Restos fáunisticos - Vertebrados - destacam - se, de entre os quatrocentos vestígios de grandes mamíferos que foi possível identificar (Cardoso, 1993,1996), um leque faunístico muito diversificado (18 espécies de grandes mamíferos, 19 de pequenos mamíferos, 32 de aves e 8 de répteis ), que vão desde os herbívoros (Cervus elaphus, Bos primigenius, Capra pyrenaica, ...), os carnívoros (Crocuta crocuta spelaea, Panthera pardus, Panthera spelaea, Felis sylvestris, Canis lupus, Vulpes vulpes, ...) ou até espécies actualmente Nórdicas como a foca Pusa híspida. Referência especial a vestígios de: Elefantes Plistocénicos, um molar, resultante da escavação de 1988, que foi atribuído, na altura a Mammuthus primigenius, sendo postas algumas reservas posteriormente e que possivelmente, o passa a datar como, referente a exemplares de Elephas antiquus (M.F. Sousa  M. Figueiredo,       ). Vestígios de aves marinhas como: " Pinguinus impennis, o Sula bassana, o extinto Puffinus holeae (Cécile Mourer-Chauvir, 1990).

Restos fáunisticos - Invertebrados marinhos - destacam - se, 36 espécies de briozoários, crustáceos,  equinídeos, e muloscos, grande parte recolhidos em níveis Plistocénicos da camada 2, apresentando evidentes indícios de terem sido transportados intencionalmente para dentro da cavidade, para efeitos de alimentação.

1- Glycymeris glycymeris 2- Mytilus galloprovincialis 3- Pecten maximus 4- Laevicardium norvegicum 5- Ervilia castanea 6- Callista chione 7- Tapes decussatus 8- Patella vulgata 9- Patella intermedia 10- Patella ulyssiponensis 11- Haplopoma sp 12- Balanus perforatus 13- Cancer pagurus 14- Restantes espécies (P. Callapez, 1999)

 

Campanha arqueológica Gruta da Figueira Brava 2012

              Publicado por Crivarque - YouTube




Texto: Orlando Pinto, 2014








 Foto 1 - Punhal mustierense em osso de auroque J.L.Cardoso

 Indúsria da F. Brava
(Raposo e Cardoso, 2000)


 Dente pré-molar de Homo Neanderthalensis da Gruta da Figueira Brava  (J.E. Egocheaga et al., 2004)

 Dente molar de Homo Neanderthalensis da Gruta da Figueira Brava, note-se os sulcos de desgaste (J.E. Egocheaga et al., 2004)

 Comparação do dente pré-molar de Homo Sapiens Neanderthalensis da Gruta da Figueira Brava (à esquerda) com um dente idêntico de Homo Sapiens Sapiens. Sucessivamente em vista, oclusal, distal, e vestibular. Comprimento maior: 2,3 cm. Segundo M.Telles Antunes, no prelo.

 Conjunto Faunístico da Gruta da Figueira Brava. Em cima: maxilar superior esquerdo e mandíbula direita de pantera; ao centro: mandíbula de cavalo; em baixo: mandíbula de veado. Comprimento da mandíbula de cavalo: 25 cm. Foto de M. Telles Antunes.

Origem das fotografias: uniarq.net/projecto-gruta-da-figueira-bravanature.com/nature/journalNew evidence and interpretation of subvertical grooves in Neandertal teeth from Cueva de Sidrón (Spain) and Figueira Brava (Portugal) :
CNS:
3915
Datações do Sítio: Paleolítico Médio - datação por radiocarbono de 30.930 ± 700 B.P

Bibliografia: Portal do Arqueólogo - arqueologia.igespar.pt/ ; uniarq.net/projecto-gruta-da-figueira-bravaGruta da Figueira Brava (Arrabida) - Geological setting, J. Pais & P. Legoinha, 2000Paleolítico médio e superior em Portugal: datas 14C, estado actual dos conhecimentos, síntese e discussão, M. T. Antunes, 1989A gruta da Figueira Brava no contexto do Paleolítico Médio Final do Sul e Ocidente ibéricos, L. Raposos e J. L. Cardoso, 1998New evidence and interpretation of subvertical grooves in Neandertal teeth from Cueva de Sidrón (Spain) and Figueira Brava (Portugal), , J.E. Egocheaga et al., 2004Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal), A. Ramos Pereira et al, 2006; Upper Pleistocene marine invertebrates from Gruta da Figueira Brava (Arrábida, Portugal), P. Callapez,1999; A Avifauna Plistocénica de Portugal - especificidades evolutivas, anatómicas e o seu contexto paleontológico, geológico e arqueológico, S. Figueiredo , 2010; Novo registo de Pinguim (Pinguinus impennis) no Plistocénico de Portugal, C.Pimenta, e al., 2008; The Mousterian complex in Portugal – J. L. Cardoso, 2006 ; Grutas Arqueológicas em Portugal - Revista Trogle Nº5, P. Figueiredo, 2007Os vestígios osteológicos humanos do Paleolítico Português: revisão bibliográfica e análise dos dados, C.B.Cruz e E. Cunha, 2008O Abrigo do Lagar Velho e o Paleolítico Superior em Leiria, Portugal: análise dos dados arqueológicos no actual contexto da evolução humana, V.C.M.Carvalho, 2011; The Last Neandertals, Vol.48-N.5, Sep/Oct-1995, Archaeological Institute of America. Scott E. Mardis, 1995; Hominids and hybrids, Proc. Natl. Acad. Sci. USA, Vol.96, pp. 7117-7119, Tattersall & Schwarts, 1999; donsmaps.com/makingflinttoolssesimbrasubterranea.blogspot.pt